J. Flávio Vieira
“Se você falar com um
homem numa linguagem
que ele compreende, isso
entra na cabeça dele.
Se você falar na própria
língua dele, você lhe atinge o coração”
Nélson Mandela
Houve
um tempo em que as brincadeiras infantis eram presenciais. Depois é que as
engenhocas eletrônicas fizeram-nos com que mantivéssemos um distanciamento
social, mesmo antes dos imperativos da pandemia. Os coroas devem lembrar de uma
dessas brincadeiras chamadas, carinhosamente, de “telefone sem fio”. Os meninos
sentavam no chão, numa grande roda. Um deles sussurrava uma frase aleatória no
ouvido do outro que ia passando a informação dada, por todos os componentes da rodinha, até a
frase retornar ao primeiro da fila que a emitiu. Era divertido observar, às
gargalhadas, a modificação que a primeira informação sofria à medida que ia passando
de boca em boca. Esse experimento pueril nos fala profundamente dos segredos da
comunicação.
A
linguagem, como a vida, é dinâmica. No Brasil há incontáveis dialetos sejam
regionais, sejam etários ou de grupos sociais. A juventude tem sua própria língua;
pobres e ricos falam dialetos diferentes. O malandro tem sua própria forma de
se expressar, assim como os advogados, os médicos, os engenheiros, os
trabalhadores rurais, os adolescentes... Cada tribo fala seu próprio idioma. Imaginem
os desafios por que passam os comunicadores que precisam levar a informação para tantos clãs e nações
diferentes! Claro que essa capacidade de transmitir e se fazer entender pode
ser desenvolvida e aprendida tecnicamente. Posso aprender a tocar piano, mesmo
sem ter qualquer habilidade para tanto, mas jamais serei um Mozart ou um Nelson
Freire. O mesmo acontece com o comunicador. Alguns nascem com uma capacidade
única de empatia com sua plateia e sabem levar a comunicação, didaticamente,
fazendo-se entender por muitas e muitas
tribos diferentes. E esta é uma arte como outra qualquer, como escrever ,
pintar ou compor.
Esta
semana comemoramos os 80 anos de um dos ícones maiores da Comunicação no
Cariri, o jornalista Antonio Vicelmo. Com vocação nata para se fazer
compreender, conhecendo, profunda e intuitivamente, os anseios da população,
Vicelmo fez-se um homem do Rádio , do jornal e , posteriormente, da TV, sem nem
precisar esquentar muito os bancos escolares. Buscou as graduações já em fase
adiantada da vida, por mero requinte: sua universidade já tinha se forjado na
rua, no microfone, na convivência direta com a população, de quem aprendeu os
mistérios das muitas línguas e, como poliglota, terminou por se fazer, também, porta voz dos
seus anseios mais prementes. Ele mesmo, com humildade, se define como uma “irresponsabilidade
que deu certo”.
O
certo é que , por mais de cinquenta anos, ele vem tecendo o diário de bordo do
Cariri cearense. Mesmo com todos os adventos da mídia moderna: Internet, TV,
smartphones é , no pé do rádio, de manhãzinha, no Jornal do Homem da Notícia,
que o caririense se põe a par das últimas novidades da região. E devemos ainda
a Vicelmo a divulgação da poesia popular regional, poetas como Patativa, Zé de
Matos, Zé Gato, Dedé de Zeba, Luciano Carneiro ganharam uma caixa de
ressonância e um protagonismo só comparados aos trabalhos de J. de Figueiredo
Filho e Elói Teles. Ele mesmo é um poeta inspirado que carrega consigo os
fortes temperos da irreverência da poesia popular. Seu faro jornalístico criou,
no noticiário do sábado, o Dia da Mentira. Sabia Vicelmo que, fim de semana, já
estavam todos saturados das notícias cabeludas do dia a dia e que era preciso
tirar o paletó, a gravata e colocar o pijama de bolinha. E, assim, com potoca e
miolo de pote, os sábados ganharam um sabor agridoce próprio.
Os
80 anos de Vicelmo , assim, merecem uma comemoração à altura da importância do
Rádio caririense, berço da radiofonia cearense. Sua trajetória, por si só,
demonstra sua grandeza. Se Vicelmo é tão ouvido, tão admirado e tão querido ,
tudo isso é apenas um reflexo da sua capacidade inata de falar a língua de
todos e de tocar o coração das pessoas. Com ele o nosso Telefone sem Fio
funciona sem tantos defeitos.
Crato, 14 de janeiro 2021
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