J. Flávio Vieira
A praga de lagartas chegou em
Matozinho sem mandar telegrama prévio. Veio , estrategicamente , desembarcando
ainda em setembro, em pleno início de chuvas. Alastrou-se com uma velocidade
impressionante por todos os sítios da região. Numa cidadezinha de economia
quase que totalmente agrícola, tratava-se de uma hecatombe bíblica. Os
matozenses dependiam, para a sobrevivência, basicamente, do paiol. Não havia
qualquer ajuda governamental possível, apenas celestial e esta sabia-se estava atrelada aos humores de santos e orixás.
Pragas e secas, assim, estremeciam o
ânimo da população que se via, rapidamente, entre a cruz e a caldeirinha. Sentindo
o impacto da peste que repercutiria em fome e desamparo por mais de um ano,
trabalhadores rurais procuraram , de pronto, os políticos . A Prefeitura era
então comandada pelo chefe Sinderval Bandeira,
apropriadamente chamado de Bandalheira, e a Câmara de Vereadores presidida pelo
magarefe Degiia. Imaginavam os mais
desavisados que Degiia se tratava de um descendente nobre de algum conde
italiano. Só com o passar dos dias se descobria que o nome, na realidade, era
apenas uma contração de “Cu de Gia”. O magarefe “Toninho Cu de Gia” era totalmente
desprotegido na sua retaguarda.
Acossado
pelo reivindicação da grande maioria dos trabalhadores de Matozinho, Bandalheira
teve que tomar providências, pensando em futuras eleições. Junto com Degiia montou uma comissão para
combate às pragas de Matozinho: a
COCÔPROMATO. Foram convocados para a Comissão: além do famoso Degiia, Pedro
Fechacurto, o eletricista; Toinho Vilabrequim, o mecânico ; Giba, o dono do bar,
sob a presidência de Tuca Tareco, o padeiro da cidade. Houve protestos entre os
agricultores relativos à pouca tecnicidade dos escolhidos no que tange ao
combate a lagartas. Bandalheira, no entanto, disse , abertamente, que aquela
era uma equipe multidisciplinar de altos
conhecimentos nas mais amplas áreas do desenvolvimento lagartal.
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Calem a boca ! Eles entendem desde baía até lagarta de fogo ! Vocês não sabem a
diferença de uma lacraia prum piolho de cobra – Ameaçou um Bandalheira que mal
escondia a escolha de seus mais diletos correligionários na formação da
COCÔPROMATO.
Na
primeira semana, a comissão já defendeu a aplicação de mel de abelha diluído em
água para cura da infestação. O tratamento foi proposto por Fechacurto que convenceu
a todos que era sensacional e já amplamente testado em todo o estado e em
outras plagas e pragas. Ninguém desconfiou que teria a ver com o filho do
eletricista, Chiquinxu, um dos maiores tiradores de mel da região e fornecedor
monocrático. Na primeira semana,
coincidência ou não, houve uma melhora do ataque lagartal. Mas, quinze depois,
a praga estourou de forma redobrada, naquela que foi considerada a segunda onda
da peste. Os agricultores descobriram, então, que as roças eram, na verdade, de
lagartas e havia muito pouco legume.
A
COCÔPROMATO foi chamada, novamente, para reunião de emergência. Os lavradores
lembraram o nome de um antigo agrônomo aposentado de Matozinho, Zuzu Maniçoba.
Ele tinha larga experiência no assunto e, na capital, já presidira uma
comissão de combate a pestes de
lavouras. Bandalheira, no entanto fincou pé: nada de estrangeiros ! Acataram , então, a proposta de Giba: diluir
cana de cabeça na água e borrifar, coincidentemente, Giba tinha um enorme
estoque à disposição para a campanha de combate à peste. Aparente melhora, um mês
depois, Matozinho estava surfando na terceira onda da peste de lagartas. O pouco milho que restara já começava embonecar e o feijão já estava armado em
canivetes. Desta vez alastrou-se com uma velocidade impensável.
O
povo, diante da perspectiva de fome e desabastecimento vindouros, entrou em
parafuso. Houve um grande desfile (a Passeata das Enxadas) desde Bertioga até a
porta da Prefeitura. Mais de mil matozenses gritando palavras de ordem contra
Bandalheira e a COCÔPROMATO. A Comissão, ciente do protesto, já tinha se
reunido pela manhã, precisava dar uma esperança ao povo desesperado. Bandalheira,
Tareco e Digiia receberam alguns mais
revoltados na Câmara dos Vereadores. Sinderval explicou, então, que aqueles
tinham sido os mais experientes membros de uma comissão já instalada em
Matozinho. Com eles as lagartas iam pedir arrego. Entregaram, a seguir, mais de
mil caixinhas para serem distribuídas com os agricultores locais . Eram kits
para o combate a Peste de Matozinho, uma solução definitiva, aprovada em
reunião, um tratamento desenvolvido pelo mecânico Vilabrequim. Dentro estavam
as instruções de uso da estrovenga , um verdadeiro exterminador serial de
lagartas.
Nico
Macassa, um dos maiores produtores de feijão daquelas brenhas, foi um dos primeiros
abrir o kit milagroso, mal chegara em casa, ansioso para , por fim, dar cabo na
peste que assolava Matozinho e adjacências. Ao abrir a caixinha, que tinha um
oferecimento do prefeito na tampa, deu
com um pequeno tijolinho metálico e um bastão também de ferro de uns quinze
centímetros. Abriu um papelzinho e leu as instruções de uso:
Modo de Usar
Pegue a lagarta que
você pretende exterminar e coloque a cabeça dela no tijolinho .Depois, bata no toitiço dela com a baqueta de
ferro. Repita o mesmo movimento com quantas lagartas for necessário.
Alerta : Cuidado pra
não errar e acertar a cabeça do dedo ! Ói o calo de sangue !
Crato, 07 de janeiro 2021
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