Os pais
pobres, simples artesãos, tiveram que emigrar. A mãe em avançado estado de
gravidez. O pai , desconfiado da paternidade do guri e da fidelidade materna. Emigrar:
Destino que se tornaria quase uma marca no curso da humanidade: nordestinos
para o sul, africanos para a Europa, sul-americanos tentando pular o muro dos
EUA. É que, na Galiléia, sob regime
romano, eram tempos tenebrosos , onde
crianças caçavam-se e chacinavam-se , como se fossem animais , coisa que se repetiria
muitos anos depois com Ágatha, Kauan, Kathellen, Kauê, numa cidade que se dizia
maravilhosa. Como outros tantos e tantos na história, seu primeiro leito seria
de feno e seus primeiros amigos pastavam ao seu derredor. Não muito diferente
dos meninos que, muitos anos depois, subiriam morros e habitariam as favelas. Crescido,
desapareceu como por encanto, desgarrou-se das asas protetoras dos pais e
ganhou o mundo. Entendeu que precisava empreender duas viagens: conhecer outros
costumes e povos e, uma outra bem mais perigosa e aterradora, um mergulho nas
águas abissais da sua alma.
Um dia
retornou à sua terra e pôs-se na delicada e subversiva luta de tentar corrigir
os defeitos da Terra. Acreditava num mundo idílico que subsistia para além dos
portais da vida, mas que este outro palpável e real, não necessitava ser o
paraíso de poucos e o inferno de muitos. Como se aquelas distorções tivessem
sido escritas e determinadas , quase como um karma, por uma força superior.
Entendeu que sua família ultrapassava os limites das paredes da sua casa.
Juntou-se a outros tantos, de origem humilde e saíram a pregar por mudança e
transformação. Expulsou os vendilhões dos templos, aqueles mesmos que muitos
anos depois se multiplicariam e terminariam por , em usucapião, açambarcar os
altares e a cobrar aluguel e ingressos
numa espécie de Delivery de Milagres. Pressentiu que um novo Bezerro de Ouro
passaria a ser adorado pelas tribos , carregava , agora, o nome pomposo de
Mercado. Mesmo pregando que a cota de Cézar precisa ser paga, sem interferir
com a de Deus, terminou preso, destino final de todos os transformadores e
insubmissos desse mundo. Sempre existe um crucifixo em algum Gólgota esperando
pelo revolucionário do momento: Mandela, Gandhi, Marighella, Antonio
Conselheiro, Zé Lourenço, Gramsci.
Levado a
julgamento ( e juízes parciais como Pilatos se sucederiam a partir dali), sem
provas formais ( tinham apenas convicções contra ele) terminou condenado. O
povo, chamado em plesbicito, escolheu um criminoso comum e o levou ao trono. Ato que seguiria os rumos da humanidade, quase
como uma profecia: a atração inconsequente e masoquista do oprimido pelo seu
opressor. Torturado, açoitado, massacrado pelos Brilhantes Ustras daqueles
tempos, um dia, por fim, foi pregado à cruz , entre dois ladrões ( bons tempos
aqueles em que era possível contar nos dedos os afanadores!). Numa sexta feira
como a de hoje. Suplicou por ajuda celestial e terrestre, em meio à agonia. Não
entendia o abandono até do próprio Pai , em meio ao suplício. Recebeu fel nos
lábios e golpes de lança. O riso é sempre coletivo, o choro prima pela solidão.
Dizem que, no
terceiro dia, a pedra do sepulcro moveu-se e ele voltou à Casa do Pai. Por
aqui, a história se repete desde então, os mesmos personagens se movimentam no
grande palco da vida e o script parece sempre o mesmo. Continuamos aguardando
que um dia , quem sabe, os túmulos projetem o milagre da ressurreição.
2 comentários:
Parabens Dr José Flávio que mais uma nós presenteia com uma belíssima e tocante crônica tão atual e tocante.
Parabens Dr José Flávio que mais uma nós presenteia com uma belíssima e tocante crônica tão atual e tocante.
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