J. Flávio Vieira
Aquela embirra era congênita, vinha desde quando Menandro era pixototinho. Depois de
velho é que aquela cisma não podia ter cura. Aguentou cipó de mufumbo no lombo,
cocorote no meio do coco, castigo de ajoelhamento em caroço de milho, carão de
todo tipo e altura e, simplesmente, não largou como nódoa de caju em camisa de
linho. As histórias de teimosia de Menandro faziam já parte da história
oficiosa da vila de Matozinho. Como burro brabo, quando botava a cabeça para um
lado, não existia força nesse mundo que mudasse o curso. A teima inarredável do
velho firmava-se num código próprio de
conduta que foi desenvolvendo desde guri e por ele se pautava como se se
tratasse de Mandamentos ou de uma Constituição pessoal, única e intransferível.
Ainda meninote, entrou na cozinha de casa e a mãe o advertiu com o famoso: “Que
que tá fazendo aqui ? Cozinha não é lugar de menino!”. Menandro, simplesmente,
respondeu: “Sei não, mãe! Mas foi a última vez!” Desde então, que se saiba ,
que atravessou os umbrais de uma
cozinha, tornou-se-lhe um território proibido e minado.
E as
histórias se sucediam em Matozinho, sobre essa birra que varava toda uma
existência. Menandro casou com D. Gilbertina, conhecida por todos ,
carinhosamente, por Gigi. Diferentemente dos varões bíblicos matozenses, só
teve um filho: Gildásio. Ninguém sabia a razão de tanta economia familiar.
Acreditavam que se tratava de alguma doença da esposa, uma vez que rolavam
conversas que o velho Memé tinha espalhado muitos rebentos, como um verdadeiro
garanhão reprodutor, pelas redondezas de Matozinho. Um dia D. Gigi, finalmente,
por baixo de sete capas, contou a uma confidente a razão da infertilidade ao
menos a nível da casa matriz. Nas dores do parto de Gildásio, acompanhada por
uma parteira, em casa, o marido entrou no quarto, rapidamente, para pegar uma
espora que tinha jogado ao lado da cama. D. Gigi, ainda neófita, em meio às
contrações, caiu na besteira de dizer uma frase perigosa: “Menandro, estou aqui
sofrendo por sua causa!”. Ele , calmamente, a tranquilizou : “E foi, Gigi ?! Pois
nunca mais, te garanto, isso vai acontecer!”. A partir daí é possível imaginar
o desenrolar da história, em tempos que a última forma de planejamento familiar
se baseava nos ensinamentos que depois seriam preconizados pela Dra. Damares:
Abstinência. Gigi não podia ter conseguido um anticoncepcional mais efetivo.
Dizia-se que
, um dia, tinha se atrasado para uma reunião na Câmara de Vereadores, onde, à
época, era presidente. Atraso na vida de Menandro era uma verdadeira blasfêmia.
O homem era pontual como um relógio suíço.
Investigada, depois, a causa daquele retardo, os companheiros de Legislativo
chegaram à conclusão que tinha sido mais uma teima de Menandro. Ao passar sobre
a ponte do Rio Paranaporã, em tempo de inverno, indo para a sessão, um cururu
cantava animado e coaxava o seu : “Foi! Foi! Foi! Ele , então, estacou o cavalo e passou uma
hora, em cima da pinguela, teimando com
o batráquio, gritando aos berros: “Foi não ! Foi não! Foi não !
Dias atrás,
um amigo dele, o velho Vitor Ridimuin, caiu doente e botou pra morrer. Diziam
que ele estava só arfando: já com o
jegue na porta, selado, esperando a viagem. Vitor sempre fora muito próximo do
vereador e Menandro, preocupado, partiu para uma visita. Chegando na casa do
homem, encontrou aquela récua de gente, num pré-velório, fazendo vigília, só
esperando o suspiro final de Ridimuin. Menandro pediu para entrar no quarto e despedir-se
do velho companheiro de tantas lutas. A família , no entanto, preocupou-se.
Sabiam que o amigo era muito positivo e não tinha papas na língua e que Vítor
sempre fora muito impressionável e medroso e tinha mais receio da morte do que
vampiro de alho. Tinham certeza que apesar da amizade que os unia, Menandro ,
mais positivo que Compte, ia abraça-lo, mas dizer a verdade: que estava na
beira da morte e prestes a ensebar o capim. Os filhos de Vitor ,
cuidadosamente, contaram-lhe suas preocupações. Uma palavra errada,
positividade demais podia matar Vítor antes do tempo. Menandro, no entanto,
jurou, de pés juntos, que jamais faria isso. Gostava demais do camarada e mediria as palavras. Falaria só de
coisas boas e construtivas, elevando o espírito e o astral do moribundo.
Sabendo-o opinioso e firme, os parentes acederam. Menandro entrou no quarto
onde alguns parentes sussurravam orações,
outros choravam baixinho pelos cantos. Aproximou-se de um Vítor lívido e arfante que o reconheceu e esboçou um sorriso leve ,
quase um esgar. Menandro então afirmou que ele parecia muito melhor do que
imaginara. Estava corado, aquilo diminuíra muito suas preocupações quanto a
saúde dele e, finalmente, fechou menandricamente, o apoio psicológico que
preparara:
--- Compadre
Vítor, veja como são as coisas! Me disseram que você tava morre-num-morre e não
devia durar nem dois dias! Povo
exagerado! Só tem gente assim nesse mundo ! Pelas minhas bausas, você ainda
leva uns três a quatro dia pra bater as botas ... Nannn !
Crato, 26/03/21
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