sexta-feira, 19 de março de 2021

Mas, é lógico !

 



J. Flávio Vieira

 

                               O Delegrado Sigisfredo Capanema chamou os dois soldados sob sua autoridade, Quintiliano e Severo,  e ordenou que detivessem e trouxessem coercitivamente para depoimento o Mestre de Obras Jonevraldo Gambiarra. Recebera, pela manhã, uma queixa crime do Coronel Anfrízio Maia contra ele e queria pôr tudo em pratos limpos, com máxima urgência.

                        --- Tragam Jonefraldo aqui, imediatamente ! Se não quiser vir por bem,  que venha sob força de pesqueiro, de solavanco e de sabacu !

                        A soldadesca espreguiçou-se e bocejou. Não estava habituada a ações heroicas, a campanas desvairadas. Quintiliano e Severo  tinham no seu portfolio , como atividades mais perigosas, a prisão de Jojó Fubuia, quando se excedia na mendraca e um ou outro arranca rabo, aquieta-arreda , em desavença de marido com mulher. Só. De posse da ordem formal de Sigisfredo, partiram , meio ressabiados, prontos a cumprir aquela que foi denominada, pelo próprio delegado de Operação Sibito Baleado. Imaginaram que fazia referência à magreza  do perseguido, cabra chupado, de canela fina, pescoço de girafa desnutrida e que não tinha carne sobre os ossos suficiente pra encher um pastel de vento.  Mesmo assim, Quintiliano e Severo, desacostumados com as ações policiais de confronto, saíram com a purga detrás da orelha. E se o homem resistisse? Se quisesse botar boneco e confrontar a autoridade estabelecida ? De comum acordo, combinaram que , nesse caso, o ideal era pedir para ele capar o gato, ganhar o bredo e eles lavrarem o relatório explicando que o meliante tinha se evadido.

                        Macaco velho, não mete a mão em cumbuca! Diplomaticamente, para evitar conflitos desnecessários , Quintiliano e Severo abordaram Gambiarra, em casa, com uma técnica de dissuasão chamada de “Cerca-Lourenço”. Quem quer pegar galinha não diz Xô! -- pensaram com prudência. Soltaram então a lábia, com língua de camurça, pedindo a  Jonevraldo para segui-los até a delegacia. O sargento Sigisfredo estava precisando, urgentemente, da sua valiosa contribuição para elucidar um caso cabeludo e que suas informações, imprescindíveis ao bom andamento do inquérito, transcorreriam em absoluto segredo de justiça e que ele, inclusive, poderia ser premiado, se tudo se solucionasse a contento.  Gambiarra ainda titubeou, estava de saída para o trabalho, mas, diante de tão alvissareiro convite, acompanhou os dois milicos até a delegacia.  

                        Em lá chegando, diante do delegado,  descobriu que a historinha não era bem aquela que lhe tinham contado. Um Capanema,  grosso como apito de navio,  informou-lhe que tinha recebido uma denúncia do Cel.  Anfrízio Maia sobre um trabalho desmantelado que Gambiarra tinha feito na casa dele e, aberto o processo indenizatório, antes de levar às barras dos tribunais, queria ouvir a versão dele sobre o ocorrido. Para o seu próprio bem, contasse tudo tim-tim por tim-tim se não quisesse levar, antes, uns conselhos no lombo para ir tomando tento.

                        --- Gambiarra, que trabalho você empeleitou com o Coronel ?

                        --- Ele me encomendou o conserto de um muro da casa dele que tinha caído uma parte por causa da chuva.

                        --- E como se justifica , seu Zé Mané, a falta d´água que , desde este dia, tem acontecido na casa do homem ?

                        --- Azar  muito ! Quando eu tava ajeitando o muro, o resto desmoronou, e derrubou aquele pé de Timbaúba que tem defronte da casa do coronel. Pois num é que o tronco quebrou e a Timbaúba resolveu cair logo por cima da caixa  d´água de cinco mil litros e tudo veio abaixo ?

                        --- A inundação tá explicada, e o incêndio, meu amigo, tu tá doido ? Como diabo é que se explica ?

                        --- O diabo do fio elétrico do poste defronte caiu em cima do banheiro de palha do coronel e , dali, para o fogo tomar conta da casa foi um pulo !

                        --- Por causa de um pedaço de muro, o coronel ficou sem a caixa d´água, sem a Timbaúba e sem a casa ? É isso, seu irresponsável ?  Que diabo de profissional é você ?

                        --- Num me incrimine não, seu delegado ! Tive culpa não! Foi o muro ! Se não tivesse ventando tanto, também não tinha o fogo se espalhado para as três casa vizinhas  e para a torre da igreja e a prefeitura !

                        --- O que ? Que profissional é você ? Seu fogo-pagou !

                        --- Num brigue comigo não, já lhe disse: não tive culpa ! A responsabilidade do desmantelo é do muro, da Timbaúba, da caixa d´água, do fio elétrico e do vento.  Eu sou só especialista em Logística, tendeu ?

Crato, 19/03/2021

                       

                          

                       

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