Isolada do
mundo, Matozinho soube da novidade de supetão, sem a pausa necessária para não
lhe tomar o fôlego. Geremildo Jurubeba, há mais de vinte anos, morava na
capital. Estabelecera-se por lá, na periferia, com uma pequena bodega com a
qual sustentava a família, sem grandes riquififes. Juntava hoje o dinheiro para
a comida do dia seguinte. As notícias de alguns familiares seus que ficaram por
Matozinho, no entanto, davam-no como um empresário de alto calibre. Do ramo de
mercantis e supermercados na capital, do porte dos Paes Mendonça ou de Abílio
Diniz. Uns cinco anos atrás, estivera ele em visita à sua cidade natal.
Viera, no entanto, estranhamente, na sopa do velho Zé Odimar , esperava-se o
helicóptero ou, no mínimo, uma cabine
dupla carregando o empresário. Correu, rápido, uma onda explicativa de humildade: ele gostava de sentir o cheiro
do povo de onde provinha ! Os macacos velhos da vila ficaram com a purga detrás
da orelha: tinha caroço de pequi naquele angu! Semana passada, Geremildo chegou às carreiras
da capital e disse que para lá nunca mais voltaria. Tinha perdido tudo por
conta de uma doença que estava contaminando a população e já tinha matado mais
de cinquenta pessoas, inclusive a esposa. Desabara para ali pensando em se esconder , mas tinha certeza que a moléstia
viria atrás, parecia uma daquelas pragas do Egito. Foi aí que Matozinho tomou
conhecimento da ameaça que aparentemente estava no seu encalço. As notícias
foram sendo atualizadas pelos tropeiros e mascates que abasteciam o comércio
local. Transitando por esse mundão de meu Deus, levavam suas bugigangas nas
malas dos burros, mas, também, junto, as fofocas e conversas de beira de rua por
onde passavam. Os matozenses foram percebendo, semana após semana, que o alarmismo
de Jurubeba tinha lá suas razões. A doença vinha se espalhando pelo estado, já
matara mais de cem pessoas e tinha uma preferência danada por velho.
O converseiro
espalhou-se como rastilho de pólvora e terminou por chegar aos ouvidos do
prefeito Sinderval Bandalheira que, prontamente, mandou chamar o seu assessor direto,
Sebasto Maneta, e lhe pediu, com
urgência, para tomar pé da situação. Temia serem pegos no contrapé. Maneta
buscou as fontes estatísticas disponíveis na sua pasta: Geremildo e alguns
tropeiros circulantes na vila, naquele dia. Encontrou ainda com um primo que
lhe falou de um caso suspeito da moléstia em Serrinha dos Nicodemos, distante
umas dez léguas de Matozinho. Abastecido o seu DATASUS, Maneta retornou a
Sinderval e trouxe seu relatório.
--- Prefeito,
pelo que pude apurar, a coisa é séria mesmo. É uma doença que veio das
estranjas e tá matando o povo como passarinho que come alpiste estragado. Dizem
que é um tal de Coronha vírus. O certo é que a bicha parece uma gripe, dá uma
morrinha danada no corpo, febre e falta de ar. Não tem meizinha nenhuma que
melhore ela. Já matou mais de cem viventes no estado e, como reumatismo, é
doidinha por um velho.
Sinderval ,meio
alarmado, quis saber o que podiam fazer
para evitar que a doença chegasse a
Matozinho. Sebasto disse que por aí tão trancando o povo em casa, sem deixar
sair na rua , fecharam o comércio e mandam que lavem as mãos com água e sabão e
usem álcool na limpeza. E também proibiram forasteiros nas cidades.
Esta semana,
por fim, após reunir a câmara, Sinderval publicou um decreto que estipula as
medidas de combate à Epidemia do Coronhavírus. O comércio da cidade fica
fechado até ordem contrária, salvo os serviços essenciais: boticas, bares,
bodegas e cabarés. Proibida a entrada de qualquer forasteiro na cidade, com
exceção dos camboeiros e camelôs. Suspensas as aglomerações humanas na praça,
nos mercados, na igreja, com exceção das rodinhas nas calçadas.
Dias depois,
Maneta precisou fazer um adendo ao decreto explicando que o uso do álcool com frequência
era apenas para as mãos, pois houve um mal entendido e o estoque de fubuia do
Bar de Giba, estava nas últimas. Lavar as mãos também carecia de água e em
Matozinho existia peixe com dez anos que ainda não sabia nadar. As famílias têm pedido à prefeitura uma guarda
policial domiciliar para manter os velhos dentro de casa, temem o início da
terceira guerra mundial principalmente no dia do recebimento dos aposentos.
Ontem, defronte à prefeitura de Matozinho, uma solenidade
marcava a incineração de mais de duas mil espingardas soca-soca apreendidas por
ordem de Maneta. Antes de lançar o palito de fósforo e acender a pira ele
explicou com ares de sanitarista:
--- Estamos
dando um passo importante para prevenir essa terrível doença na nossa cidade.
Já que esse vírus perigosíssimo vem nas coronhas das armas de fogo, estamos queimando
todas as espingardas de Matozinho. Pode
não ter mais rolinha cachecha pra comer, mas, em compensação, tu te lascou:
Coronhavírus !
Crato, 03/04/20
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