segunda-feira, 30 de março de 2020

De repente o mundo dá um cangapé



O título desta pretensa crônica quem falou foi um escritor desenrolado que conheço. E pra mim, infante nessa arte da escrita, eu acho que ele barra o grande poeta Zé Cardoso, barra porque sendo médico, é poeta prosaico, Cardoso soberbou a medicina, e isso não se faz. Já esse escritor de quem vos falo, o homem receita poesia para essas patologias da vida. Trata-se de uma espécie de antigo fármaco, lembra dos botiqueiros que faziam meisinhas? Um José Alves de Figueiredo da vida. Ou um destes afamados pajés das garrafadas ao longo deste pé de serra da chapada do Araripe, tipo Chico de Brito? O homem é bom!

Tá triste? Sou eu que indico: vá lê Matosinho vai à guerra! É “mermo” que tá vendo aquelas narrativas. Aqueles tipos humanos que a gente fica com a sensação que já falou com algum deles por ai pela cidade. E as tramas? O caba se abre demais! A temática é universal, mas o caba entende porque parece que ele tá falando é de alguma estripulia de seus “pariceiros” que nem diz dona Têca Dias, esse acento é pra ninguém falar o E aberto.
“Escrivinhador oficioso” autointitulado, falando sério, eu gosto e indico mesmo. A sua narrativa tem cheiro de terra batida molhada depois das primeiras chuvas. Ofende, mas só ofende que não carrega os anticorpos da cultura popular, pra quem tem esses anticorpos, faz é bem. E faz bem porque nos faz lembrar os tempos da gente menino perdido nestes pés de serra, com baladeira ao pescoço, que consciência ambiental é coisa recente, e menino é menino mesmo.
Sua prosa é boa porque dá sentido a muitas histórias narradas pelos mais velhos. Quem escuta os mais velhos há de saber que não falo bobagens. É boa porque o lendário do Araripe ganha uma matiz de humor que alegra a alma. E também porque cearense é bicho que gosta de lorota.

As contações deste cidadão são encantantes. Tem um quê do segredo da velha Tontonia de Zé Lins, ele dá uma cor local às narrativas. E não apenas cor, é som, gosto, textura e cheiro. O bicho tira umas ondas que faz a gente querer andar pelas ruas mais antigas procurando alguns lugares que ele fala.
Foi lendo estas suas histórias que comecei a perceber que as personagens não são inventadas por nenhum escritor. Elas estão vivas na história, e possivelmente a gente a encontre em algum lugar por ai pela cidade. E os lugares são de verdade. Sabe onde era o bar Social? E o Cinelândia? Agora o bar de seu Almir, você sabe? Conversa? E Garcia? Pois eu sei onde é tudo. E de vera, já tomei uns aperitivos ilícitos em alguns destes lugares, escondendo a idade. É em lugares como esses que ocorrem algumas daquelas narrativas.
Estes lugares são mágicos, macho, eles só existem na memória do povo. E é gente como este cabra véi escritor de quem vos falo que tem o dom, o poder, a magia de tornar público, perene, eterno. Eles vão lá na memória coletiva do lugar e eternizam dando um toque especial de divino nas memórias. São as histórias que esse caba conta. Histórias boas. São poucos como ele. Pra falar a verdade, eu só conheço dois, mas sei que tem mais, que aqui é celeiro de caba bom de lorota. Estes dois são o escritor de quem vos falo, José Flávio Vieira, e um tal de Dedé de Zeba, mas deste eu vou falar depois, aguarde!

Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
                                Revista Cariri

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