Uma dúvida
quase hamletiana: Por que havia plantado
o frondoso flamboyant bem defronte da casa ? Fizera-o , instintivamente, numa
época em que as paredes ainda estavam desnudas, ainda sem o agasalho do reboco.
Aos poucos, a ramada espraiou-se pelo jardim e sôfrega
tomou conta da paisagem. Difícil, agora, encontrar uma resposta plausível, tantos anos
depois. Quiçá, com o crescimento
descomunal da árvore e o milagre da floração , todas as perguntas tornaram-se supérfluas. Finalzinho
do ano, o flamboyant tingia de um vermelho brilhante os céus e o seu pulsante
escarlate reascendia, ainda mais, com o
pano de fundo de um céu propenso aos delicados tons do azul marinho. Depois,
como numa genuflexão, estendia um tapete rubro pelo solo, como um convite aos
passantes, entremeando-se , galhardamente,
com o verde da grama. Parecia abrir alas para a cerimônia do Oscar da natureza:
a entrada do Ano Novo. Durante o resto
dos meses, o flamboyant mostrava-se dormente, usava apenas um tênue vestido
folhoso que lhe recobria apenas o dorso, sensualmente, deixando antever, as formas e circunvoluções do corpo. Preparava-se , por muitos meses,
cuidadosamente, para a festa de gala do réveillon.
De repente,
aquela ausência súbita: a paisagem
ferida, como se lhe tivessem amputado um membro! Árvore tolhida pelo tronco, os galhos murchos
estendidos para além do portão da casa, aquele que assumira a pretensão de
separá-la do resto do mundo e da realidade à sua volta. O moço olhou o casarão
que agora perdera um pouco sua razão de ser. Como se na cena bíblica dos três
Reis Magos faltasse a estrela cadente. O flamboyant fizera parte do cenário de
sua existência, compusera, por alguns anos, um script de desejos, quimeras e
aspirações. Depois, lambidos os castelos de areia pelos lábios da maré,
permanecera ao longe, como se guardasse fragmentos de sua história, estilhaços
da sua vida. De alguma maneira, a árvore tombada fizera destroçar , também,
ramas , folhas e flores no bosque de sua alma.
A pergunta,
antes desnecessária e entorpecida, saltou à sua frente, quando a paisagem mutilada tocou-lhe as
retinas. Por que afinal, um dia, plantara
o umbroso flamboyant ? Talvez, imaginara: no fundo,
mais resistente ao tempo e seu
séquito de intempéries, ela pudesse colocar algumas gotas de eternidade no maremoto
da impermanência. Porventura fosse capaz, como um soldado de Pompeia, fazer-se
o testemunho único de um ciclo de sentimentos em ebulição, de sorrisos e
olhares que acabariam se dissipando no
bordado puído dos dias ? Quem sabe, conseguiria abrigar os fantasmas do
casarão, acolhe-los em seus galhos, quando, fartos das sombras do sótão, quisessem embebedar-se um pouco de luz ?
Trucidado, o flamboyant já não tinha respostas. Como
sangue, um fio purpúreo de flores escorria
pelo chão. Junto da última atalaia de tantas reminiscências, o rio da memória fluía,
enfim, para o estuário do esquecimento:
derradeira estação onde desembarcam vidas, sonhos, ilusões e sentimentos...
Crato, 07/01/20
4 comentários:
Lindíssima a crônica
O Flamboyant, Dr. José Flávio!
Acredito que tenha sido sobre o majestoso Flamboyant da casa que o senhor um dia morou.
Como eu, outros transeuntes do local,deveriam ter o mesmo olhar de admiração para com aquela árvore de folhagem verde, bem esgalhada ou
repleta de flores vermelhas/ alaranjadas.Lamentei que tenha sido cortada e que a paisagem daquele jardim tenha perdido bem mais o encanto sem o belo Famboyant!
Lindíssima a crônica
O Flamboyant, Dr José Flávio!
Acredito que tenha sido sobre o majestoso Flamboyant da casa que o senhor um dia morou.
Como eu, outros transeuntes do local,deveriam ter o mesmo olhar de admiração para com aquela árvore de folhagem verde, bem esgalhada ou
repleta de flores vermelhas/ alaranjadas.Lamentei que tenha sido cortada e que a paisagem daquele jardim tenha perdido bem mais o encanto sem o belo Famboyant!
Lindíssima a crônica
O Flamboyant, Dr José Flávio!
Acredito que tenha sido sobre o majestoso Flamboyant da casa que o senhor um dia morou.
Como eu, outros transeuntes do local,deveriam ter o mesmo olhar de admiração para com aquela árvore de folhagem verde, bem esgalhada ou
repleta de flores vermelhas/ alaranjadas.Lamentei que tenha sido cortada e que a paisagem daquele jardim tenha perdido bem mais o encanto sem o belo Famboyant!
Obrigado pela leitura e pelo contato. Feliz que vc tenha gostado do texto
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