quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Estação 2020


As divisões temporais, sabemos, são, simples convenções humanas. Estações, anos, dias, horas,  séculos... Insone na ampulheta, o tempo segue seu curso inexorável, sem soluções de continuidade. Aqui estamos, como sempre, aguardando a aurora de um ano novo, cheios de esperanças e perspectivas. Imaginamos que em 2020, daremos, enfim, o cavalo de pau na nossa vida. Estaremos magros, de novo emprego, com corpo atlético, com a carteira estufada e o coração inebriado de uma nova paixão. Estendemos nossos desejos para amigos e familiares próximos: que todos sejam felizes e prósperos no ano vindouro ! As cidades e as lojas cobrem-se um pouco desse ar de  confraternização e solidariedade, mal disfarçando alguns interesses  políticos e mercantis por trás da aparente cortina humanitária. As redes sociais e a mídia atapetam suas páginas de mensagens melosas e repetitivas.  Presentes serão trocados, amigos invisíveis revelados, os porcos e perus pagarão parte da conta. As lojas, com a palavra final,  dirão, depois,  se valeu ou não valeu a festa, observando, atentamente, as cifras nas caixas registradoras. O aniversariante do final do ano é apenas uma figura distante e  mítica no meio desta apoteose mercantil.
                                               Que fazer, amigos, para que o Ano Novo possa merecer esse adjetivo ? Se o curso do tempo é imutável , sólido, inabalável, como torna-lo, de repente, verde, fresco, viçoso ? Se temos nas mãos a impossibilidade de mudar o fio do tempo, a única chance de fazer o ano novo e brilhante é mudando, em nós, a maneira como enfrentamos e colorimos a vida. Na impossibilidade de mudar o curso e a direção da nossa estrada, a única alternativa de tornar nossa viagem mais agradável e prazerosa é adornar de flores e frutos as margens do caminho e compartilhar a magia da paisagem com nossos companheiros de percurso.
                                               Precisamos, também, entender que nossos companheiros nesta peregrinação, mundo afora, não são apenas aqueles que estão no vagão do nosso trem. Nossa Maria Fumaça possui incontáveis outros , repletos de passageiros neste mesmo itinerário, dividindo conosco, os prazeres e desconfortos da viagem. Estaremos juntos nas descobertas de novos lugares e costumes e , também, no descarrilamento futuro do trem.  Nossa excursão só será perfeita se o for para todos, divididos, irmanamente,  os fardos e as delícias do percurso.
                                               Aos poucos, iremos todos perceber que a beleza da nossa trajetória não depende dos itens que levamos na nossa bagagem. São meros acessórios e que, em casos de urgência, precisarão ser rapidamente descartados para salvar todo o comboio. E que temos a capacidade, sim, de mudar o curso da viagem, buscar outros itinerários, outras estações, embora cientes de que todos os caminhos, no fim acabam na mesma gare final.
                                               A Estação 2020 está logo ali na nossa frente. Escolham as novas trilhas !  Esqueçam o destino derradeiro ! Curtam a viagem, os amigos, a paisagem ! Larguem as bagagens no bagageiro ! E lembrem:  a paisagem que passará estroboscopicamente na nossa janela só poderá ser percebida, integralmente, com muitos e muitos olhos, por isso mesmo o comboio está atapetado com tanta gente. Sem eles, a nossa romaria aconteceria pela metade. Boa Viagem ! Feliz estada na Estação 2020 !

Crato, 25/12/2019

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