As divisões
temporais, sabemos, são, simples convenções humanas. Estações, anos, dias,
horas, séculos... Insone na ampulheta, o
tempo segue seu curso inexorável, sem soluções de continuidade. Aqui estamos,
como sempre, aguardando a aurora de um ano novo, cheios de esperanças e
perspectivas. Imaginamos que em 2020, daremos, enfim, o cavalo de pau na nossa
vida. Estaremos magros, de novo emprego, com corpo atlético, com a carteira
estufada e o coração inebriado de uma nova paixão. Estendemos nossos desejos
para amigos e familiares próximos: que todos sejam felizes e prósperos no ano
vindouro ! As cidades e as lojas cobrem-se um pouco desse ar de confraternização e solidariedade, mal
disfarçando alguns interesses políticos
e mercantis por trás da aparente cortina humanitária. As redes sociais e a
mídia atapetam suas páginas de mensagens melosas e repetitivas. Presentes serão trocados, amigos invisíveis
revelados, os porcos e perus pagarão parte da conta. As lojas, com a palavra
final, dirão, depois, se valeu ou não valeu a festa, observando,
atentamente, as cifras nas caixas registradoras. O aniversariante do final do
ano é apenas uma figura distante e mítica no meio desta apoteose mercantil.
Que
fazer, amigos, para que o Ano Novo possa merecer esse adjetivo ? Se o curso do
tempo é imutável , sólido, inabalável, como torna-lo, de repente, verde,
fresco, viçoso ? Se temos nas mãos a impossibilidade de mudar o fio do tempo, a
única chance de fazer o ano novo e brilhante é mudando, em nós, a maneira como
enfrentamos e colorimos a vida. Na impossibilidade de mudar o curso e a direção
da nossa estrada, a única alternativa de tornar nossa viagem mais agradável e
prazerosa é adornar de flores e frutos as margens do caminho e compartilhar a
magia da paisagem com nossos companheiros de percurso.
Precisamos,
também, entender que nossos companheiros nesta peregrinação, mundo afora, não
são apenas aqueles que estão no vagão do nosso trem. Nossa Maria Fumaça possui
incontáveis outros , repletos de passageiros neste mesmo itinerário, dividindo
conosco, os prazeres e desconfortos da viagem. Estaremos juntos nas descobertas
de novos lugares e costumes e , também, no descarrilamento futuro do trem. Nossa excursão só será perfeita se o for para
todos, divididos, irmanamente, os fardos
e as delícias do percurso.
Aos
poucos, iremos todos perceber que a beleza da nossa trajetória não depende dos
itens que levamos na nossa bagagem. São meros acessórios e que, em casos de
urgência, precisarão ser rapidamente descartados para salvar todo o comboio. E
que temos a capacidade, sim, de mudar o curso da viagem, buscar outros
itinerários, outras estações, embora cientes de que todos os caminhos, no fim
acabam na mesma gare final.
A
Estação 2020 está logo ali na nossa frente. Escolham as novas trilhas ! Esqueçam o destino derradeiro ! Curtam a
viagem, os amigos, a paisagem ! Larguem as bagagens no bagageiro ! E
lembrem: a paisagem que passará
estroboscopicamente na nossa janela só poderá ser percebida, integralmente, com
muitos e muitos olhos, por isso mesmo o comboio está atapetado com tanta gente.
Sem eles, a nossa romaria aconteceria pela metade. Boa Viagem ! Feliz estada na
Estação 2020 !
Crato, 25/12/2019
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