terça-feira, 12 de novembro de 2019

13ª Empeleita de Hércules em Matozinho



                                               Outubrino Milhomem , mal assumiu  a primeira e única delegacia de Matozinho investiu-se , imediatamente, de ares e atitudes bélicas e napoleônicas. Solene, de pé ante a soldadesca composta de um batalhão de três soldados rasos: Severo, Cupertino e  Mascarenhas, rugiu forte e destemperado:
                                               --- Matozinho virou uma Amsterdam ! Aqui tem mais boca de fumo do que em Medellín ! Vou mostrar pra vocês como acabo com tudo quanto é maconheiro desta cidade ou não me chamo de Outubrino Milhomem !
                                               A cabroeira, imediatamente, percebeu a 13ª Tarefa de Hércules que Outubrino terminara por tomar para si. Aquilo era missão não para um Outubrino mas para  Milhomem.  A cidade vivera sob a égide da fubuia e da meropéia por muitos e muitos anos. Caboclo melava o bico, puxava um torrado, acendia um boró desses de escorar carroça . Todos  , de tão comuns na vila, nem eram tidos como vícios, nem sujeitos à declaração obrigatória em confessionário.  Nos anos 70, no entanto, alguns estudantes mais abastados que tinham ido estudar na capital, trouxeram uns cigarrinhos diferentes, cheios de ciência que os faziam rir como se alguém os tivesse cutucando no vazio. Aos poucos a coisa pegou, apareceram, como era de se esperar, comerciantes do ramo e uma garotada aderiu com facilidade à nova onda. Reuniam-se , à noite, perto do açude do Sabugo, debaixo de um grande juazeiro que mantinha consigo os mistérios do sobreviver e do verdejar mesmo nos períodos mais tórridos do ano. Os samangos Severo, Cupertino e Mascarenhas pensaram com seus cassetetes  as razões daquela infuca desnecessária de Outubrino. A turma do fumacê era tranquila: nunca se soube de confusões , violência ou distúrbios causados por ela. Riam, gargalhavam, contemplavam demoradamente a natureza ao redor, falavam uma língua própria , um dialeto meio inteligível , desconfiavam os milicos que criado para passar rolé nos curiosos e na polícia. Mas só ! Comentaram até depois suas opiniões com o delegado, mas esse deu brabo,  e, num cangapé, vociferou:
                                               --- O quê ? Vocês são doidos ? Tão de moitim com  esses bandidos ? Bob Marley foi quem trouxe a desgraça pro mundo ! Foi ele o primeiro maconheiro ! Pois aqui vou arrancar todos os cabelos de pavio de candeeiro dos amigos dele ! Peguem seus bagulhos e vão pra Jamaica ! Não fica um maconheiro em Matozinho e se eu descobrir que tem samango acobertando crime, jogo também no xilindró, joviu ?

                                               Já na primeira semana do mandato, Outubrino reuniu sua força tarefa e cavalgou, tardezinha, para o açude do Sabugo. Deixaram os cavalos mais afastados e saíram rastejando até próximo ao famoso juazeiro, o ponto de encontro da turma do fumacê. Divisaram, de longe, todos eles. Passavam o boró de mão em mão numa grande roda e falavam palavras ritmadas que saiam com uma preguiça danada das línguas meio trôpegas, como se estivessem comendo mingau de carimã e conversando. Luneta, Xiaba, Carnegão, Tota Bocão, Cafuringa, Cacildo Barata, Ziló de Luri. O cerco funcionou a contento, apesar de contar apenas com três militares, e não houve resistência, apenas um breve protesto de Luneta:
                                               --- Oxe ! Quebre o barato, não ! Cortar lombra é pecado, viu ? 
                                               A Turma do Sabugo foi conduzida em cana para a delegacia de Matozinho, num trabalho danado de ataia-arreda. Ficaram todos dentro de uma cela de espaço exíguo. Não havia condições de dois dos presos pensarem ao mesmo tempo : não cabia. Descobriram que Ziló de Luri  tratava-se de um menor e o liberaram meio a contragosto. Ele era irmão de Xiaba e, assim, a guarda se conformou: já tinham um representante da família no xadrez.
                                               No outro dia, a tia de Xiaba, chorosa e envergonhada,  chamou Ziló e o pediu para levar um prato com comida para o sobrinho. Aquela situação a constrangia como familiar e como Filha de Maria  e Ministra da Eucaristia.  Tinha, inclusive, conseguido um emprego de motorista para Xiaba, com algumas freiras amigas e, imaginou que, com as boas influências, ele já teria abandonado há muito tempo aquela vida de pecado. Ziló recebeu o pacote, um prato com o baião de dois, coberto com outro e amarrado com um pano  e partiu para cadeia. Antes partir, deu umas nargadas num boró que tinha sobrado do dia anterior, para não chegar lá de cara. Entrou no portão principal, deu com Severo que estava de guarda e , sério, informou:
                                               --- Gostaria de falar com o senhor Ormecindo Gomes de Carvalhal que está hospedado aqui !
                                               Severo, fazendo jus ao nome, replicou que não existia aquele vivente com nome de embaixador preso ali,  não.  Lá de dentro, Xiaba já ouvira o soar do seu nome pomposo e , ciente que tratava-se de alguém da família,  mandou seu grito de guerra, como um silvo:
                                               --- Iuriuuuuuuuuuuuu !
                                               Após a verificação cuidadosa da encomenda , Severo permitiu a entrada de Ziló. Ao vê-lo, Xiaba já sem os efeitos paranormais do dia anterior, preocupara-se com a repercussão junto às freiras, suas empregadoras e quis saber se a notícia já batera no convento:
                                               ---- Ziló, meu irmão, e aí : as gauças já se ligaro  ?
                                               À tarde, Outubrino em atitude de general alemão, entrou na cadeia e , passando diante da cela se onde espremiam Xiaba, Luneta, Carnegão, Cafuringa, Cacildo Baarta e Tota Bocão, falou alto, ríspida e pausadamente, sem olhar para dentro, cuspindo toda sua autoridade:
                                               ---- Eu, se fosse juiz, pegava todos esses maconheiros de Matozinho, dava uma surra de cipó de mufumbo e, depois,  mandava enforcar um por um !
                                               De dentro da cela veio aquele coro que parecia ensaiado, demonstrando toda a inviabilidade do ardente desejo outubrínico:
                                               ---- Mas num éééééééééééééééé !

Crato, 22/10/19

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