Outubrino
Milhomem , mal assumiu a primeira e
única delegacia de Matozinho investiu-se , imediatamente, de ares e atitudes
bélicas e napoleônicas. Solene, de pé ante a soldadesca composta de um batalhão
de três soldados rasos: Severo, Cupertino e
Mascarenhas, rugiu forte e destemperado:
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Matozinho virou uma Amsterdam ! Aqui tem mais boca de fumo do que em Medellín !
Vou mostrar pra vocês como acabo com tudo quanto é maconheiro desta cidade ou
não me chamo de Outubrino Milhomem !
A
cabroeira, imediatamente, percebeu a 13ª Tarefa de Hércules que Outubrino
terminara por tomar para si. Aquilo era missão não para um Outubrino mas
para Milhomem. A cidade vivera sob a égide da fubuia e da
meropéia por muitos e muitos anos. Caboclo melava o bico, puxava um torrado,
acendia um boró desses de escorar carroça . Todos , de tão comuns na vila, nem eram tidos como
vícios, nem sujeitos à declaração obrigatória em confessionário. Nos anos 70, no entanto, alguns estudantes
mais abastados que tinham ido estudar na capital, trouxeram uns cigarrinhos
diferentes, cheios de ciência que os faziam rir como se alguém os tivesse
cutucando no vazio. Aos poucos a coisa pegou, apareceram, como era de se
esperar, comerciantes do ramo e uma garotada aderiu com facilidade à nova onda.
Reuniam-se , à noite, perto do açude do Sabugo, debaixo de um grande juazeiro
que mantinha consigo os mistérios do sobreviver e do verdejar mesmo nos
períodos mais tórridos do ano. Os samangos Severo, Cupertino e Mascarenhas
pensaram com seus cassetetes as razões
daquela infuca desnecessária de Outubrino. A turma do fumacê era tranquila:
nunca se soube de confusões , violência ou distúrbios causados por ela. Riam,
gargalhavam, contemplavam demoradamente a natureza ao redor, falavam uma língua
própria , um dialeto meio inteligível , desconfiavam os milicos que criado para
passar rolé nos curiosos e na polícia. Mas só ! Comentaram até depois suas
opiniões com o delegado, mas esse deu brabo, e, num cangapé, vociferou:
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O quê ? Vocês são doidos ? Tão de moitim com
esses bandidos ? Bob Marley foi quem trouxe a desgraça pro mundo ! Foi
ele o primeiro maconheiro ! Pois aqui vou arrancar todos os cabelos de pavio de
candeeiro dos amigos dele ! Peguem seus bagulhos e vão pra Jamaica ! Não fica
um maconheiro em Matozinho e se eu descobrir que tem samango acobertando crime,
jogo também no xilindró, joviu ?
Já
na primeira semana do mandato, Outubrino reuniu sua força tarefa e cavalgou,
tardezinha, para o açude do Sabugo. Deixaram os cavalos mais afastados e saíram
rastejando até próximo ao famoso juazeiro, o ponto de encontro da turma do
fumacê. Divisaram, de longe, todos eles. Passavam o boró de mão em mão numa
grande roda e falavam palavras ritmadas que saiam com uma preguiça danada das
línguas meio trôpegas, como se estivessem comendo mingau de carimã e
conversando. Luneta, Xiaba, Carnegão,
Tota Bocão, Cafuringa, Cacildo Barata, Ziló de Luri. O cerco funcionou a
contento, apesar de contar apenas com três militares, e não houve resistência,
apenas um breve protesto de Luneta:
---
Oxe ! Quebre o barato, não ! Cortar lombra é pecado, viu ?
A
Turma do Sabugo foi conduzida em cana para a delegacia de Matozinho, num
trabalho danado de ataia-arreda. Ficaram todos dentro de uma cela de espaço
exíguo. Não havia condições de dois dos presos pensarem ao mesmo tempo : não
cabia. Descobriram que Ziló de Luri
tratava-se de um menor e o liberaram meio a contragosto. Ele era irmão
de Xiaba e, assim, a guarda se conformou: já tinham um representante da família
no xadrez.
No
outro dia, a tia de Xiaba, chorosa e envergonhada, chamou Ziló e o pediu para levar um prato com
comida para o sobrinho. Aquela situação a constrangia como familiar e como
Filha de Maria e Ministra da
Eucaristia. Tinha, inclusive, conseguido
um emprego de motorista para Xiaba, com algumas freiras amigas e, imaginou que,
com as boas influências, ele já teria abandonado há muito tempo aquela vida de
pecado. Ziló recebeu o pacote, um prato com o baião de dois, coberto com outro
e amarrado com um pano e partiu para
cadeia. Antes partir, deu umas nargadas num boró que tinha sobrado do dia
anterior, para não chegar lá de cara. Entrou no portão principal, deu com
Severo que estava de guarda e , sério, informou:
---
Gostaria de falar com o senhor Ormecindo Gomes de Carvalhal que está hospedado
aqui !
Severo,
fazendo jus ao nome, replicou que não existia aquele vivente com nome de
embaixador preso ali, não. Lá de dentro, Xiaba já ouvira o soar do seu
nome pomposo e , ciente que tratava-se de alguém da família, mandou seu grito de guerra, como um silvo:
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Iuriuuuuuuuuuuuu !
Após
a verificação cuidadosa da encomenda , Severo permitiu a entrada de Ziló. Ao
vê-lo, Xiaba já sem os efeitos paranormais do dia anterior, preocupara-se com a
repercussão junto às freiras, suas empregadoras e quis saber se a notícia já
batera no convento:
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Ziló, meu irmão, e aí : as gauças já se ligaro
?
À
tarde, Outubrino em atitude de general alemão, entrou na cadeia e , passando
diante da cela se onde espremiam Xiaba, Luneta, Carnegão, Cafuringa, Cacildo Baarta
e Tota Bocão, falou alto, ríspida e pausadamente, sem olhar para dentro,
cuspindo toda sua autoridade:
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Eu, se fosse juiz, pegava todos esses maconheiros de Matozinho, dava uma surra
de cipó de mufumbo e, depois, mandava
enforcar um por um !
De
dentro da cela veio aquele coro que parecia ensaiado, demonstrando toda a inviabilidade
do ardente desejo outubrínico:
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Mas num éééééééééééééééé !
Crato, 22/10/19
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