O certo é que o Condomínio Pindorama ,
que por muitos e muitos anos vivera a paz dos cemitérios, de repente,
começou apresentar constantes conflitos
entre os moradores. Nem existira antes uma catástrofe maior, um tsunami mais
chamativo, a tensão se foi armando, insidiosamente, ligada a medidas tomadas
pelo então síndico do Pindorama. Outras causas certamente haveriam de ter
contribuído. Condomínio de classe média, viu-se , pouco a pouco, mesclado com
muitas outras esferas sociais: novos ricos metidos a besta; pobres novos,
inconformados com a queda livre social; remediados inconformados com a
impossibilidade de ascensão. Providências adotadas por Xilderico, o síndico em
exercício, ajudaram a acender o estopim do dissabor. Permitiu que vendedores
ambulantes fizessem ponto na proximidade do prédio; liberou, em portaria, a
piscina para os familiares dos funcionários e regularizou a situação trabalhista
dos empregados, muitos deles trabalhando na total informalidade. Xilderico,
além de tudo, acabou com a exclusividade dos elevadores sociais aos condôminos, agora o
elevador de serviços deixou de ser o único veículo de ascensão permitido aos
vigias e serviçais. Ainda no primeiro ano do mandato, o síndico passou a sofrer
represárias e agressões verbais por parte dos moradores, culminando com uma
reunião tensa do condomínio, em que foi achincalhado, pautado como
irresponsável e incapaz e acabou sendo ameaçado e obrigado a solicitar sua
renúncia, sob pena de risco de vida. Pentou o síndico até recorrer à justiça e
embargar o processo do suicídio forçado, mas havia um juiz entre os moradores e
o atemorizou , dizendo que não teria
nenhuma possibilidade legal, pois já falara com outros colegas e , em que vara
o processo entrasse, seria, incontinenti, engavetado.
A saída forçada
de Xilderico foi aprovada pela maioria dos presentes àquela fatídica reunião
onde, também, se deliberou a abertura do processo eleitoral para o novo
síndico. Dois candidatos rapidamente polarizaram as preferências do eleitorado:
o professor aposentado Bonifácio Valverde e o policial reformado Cupertino Caraminhola. Bonifácio, professor de filosofia
por muitos e muitos anos, na cidade, sempre se mostrara calmo, tranquilo ,
tendo uma convivência doce com todos aqueles que dele se aproximavam. Candidatara-se
pelo simples fato de que, agora, de chuteiras dependuradas , tinha tempo
suficiente e precisa preencher o vácuo que o abandono da profissão lhe deixara.
Já o Cupertino carregava uma folha
corrida mais complicada, policial, envolvera-se em esquemas de tráfico de
drogas e, em fins de semana de folga, comentava-se , aceitava encomendas de
pistolagem. Andara também meio pinéu, com internamentos em hospícios, quando
cismou um dia que era Adolf Hitler. Como
era de se imaginar, a campanha eleitoral mostrou-se quentíssima, com agressões
e sopapos de lado a lado. Cupertino montou uma rede de fofoqueiros que
espalhava boatos por todo prédio: Bonifácio era comunista! Bonifácio desviara
dinheiro da escola! Bonifácio queria liberar os apartamentos do prédio para
abrigar famílias de imigrantes... A estratégia terminou por criar uma atmosfera
de pânico e, o inimaginável aconteceu: por pequena margem de votos, Caraminhola
elegeu-se o novo Síndico do Pindorama.
Despreparado,
sem nunca ter administrado sequer uma barraca de feira, Cupertino arvorou-se de
Rei do Pindorama. Andava , para cima e para baixo, com uma pistola no cós. Demitiu todos os funcionários e contratou
novos, a maior parte da sua família e, cada um com um 38 na cintura, em nome da
necessidade de defesa em tempos de franca violência. Tinham ordem expressa de atirar em caso de
invasão de suspeitos. Inventou uma taxa especial de condomínio, sob pretexto de
os mais pobres usarem mais os serviços, onde os mais ricos pagavam menos que os
desafortunados. Acabou com a formalidade do emprego no condomínio,
excetuando-se, claro, os empregados que eram seus parentes e estes, mesmo
assim, tinham que devolver uma parte dos
salários para os bolsos de Caraminhola. Com menos de dois meses, já se
comentava, a boca miúda, que a verba arrecadada , mensalmente, estava sendo desviada. Flagraram-se atrasos
nas contas de água e gás, coisa que , antigamente, nunca tinha acontecido. Rápido,
algumas medidas suas começaram a preocupar mesmo seus mais renitentes correligionários.
Sob pretexto de economia, tomou medidas
esdrúxulas. Terceirizou a piscina e a limpeza do prédio , entregando a amigos
seus. Vendeu uma parte do terreno do condomínio, sem combinação prévia, informando que havia prejuízo e precisava o
caixa se capitalizar. Semana passada,
então, aconteceu uma catástrofe previsível. Meninos jogavam futebol nos
arredores e, num chutão, a bola caiu dentro do playground do Pindorama. Dois
meninotes tentaram saltar o muro para resgatar a bola e reiniciar o jogo. Os
seguranças de Cupertino, sob ordens expressas, abriram fogo contra os invasores
e os dois garotos passaram por cirurgia complicada e estão à beira da morte,
recuperando-se numa UTI. Presos os agressores, sob influência policial de
Caraminhola, estão respondendo em liberdade.
O descontentamento
tem se alastrado, mesmo no meio daqueles antigos cabos eleitorais. Semana
passada, em reunião condominial, depois de apertado, Cupertino afirmou que o
condomínio está falido e que só tem uma solução, implodir o prédio. Alguns
poucos saíram ao pátio para protestar, a maioria, no entanto, aceitou piamente
a prestação de contas do síndico e está placidamente sentada nas salas de estar
de seus apartamentos, esperando que Caraminhola acenda o estopim e ponha o
edifício abaixo. Quem melhor o definiu foi o velho Ganderino Vilas Boas, morador no andar térreo, que suportará todo o peso do cimento armado implodido:
--- Que ele era doido, todo mundo sabia ! A gente só num imaginava que o homem cagava, plantando bananeira !
Deus acima de tudo, escombros em cima de todos !
Crato, 24/05/2019
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