sábado, 6 de abril de 2019

Gil & Val


Givanildo e Orisvaldo eram amigos desde os tempos das vacas magras. O diabo é que, por falta de pasto verde, as bichinhas nunca engordaram. Talvez, por isso mesmo, sem a potassa do dinheiro e das posses, a amizade dos dois nunca tenha se corroído. Andavam próximos como raio e trovão, atraídos um pelo outro como unha encravada e perna de mesa. Nas caças e pescarias, nas cercanias de Matozinho, Giva & Val eram sempre uma dupla inseparável.  Acompanhava-os algumas histórias que se espalhavam pela vila, como fogo em paiço de cana. Eram extraordinários na ampliação das suas façanhas de caça e pescaria. Mentiam como cachorro de preá: geralmente o testemunho ocular das peripécias de um dos parceiros fazia-se sempre o outro da dupla, percebendo-se que existia um acordo tácito entre eles. Um belo dia , Giva assegurou, na pracinha da cidade , que tinha atirado num rinoceronte e o bicho, ferido, os tinha perseguido Serra da Jurumenha adentro. Val não só confirmou a epopeia como , rápido, sacou uma explicação plausível para a presença daquele animal africano em pleno sertão matozense : devia ter fugido do Circo Gonçalo de Medina que andava em excursão pelo interior do Brasil. De outra feita, Val informou que tinha acontecido uma coisa estranha em sua casa. Comprara querosene na feira para alimentar os candeeiros  e quando os abasteceu, de repente,  observou que os pavios rodopiavam como hélices, saíram voando pelo terreiro como helicóptero e foram se embora sobrevoando o matagal que dava pras bandas de Bertioga. Passou a noite no breu, ele e a família. Quando os ouvintes perguntaram a causa daquela doideira, Val , prontamente assessorado por Giva, explicou a razão do acontecido. Comprara o querosene na bodega de Zelinildo do Fole e, só depois do acontecido, ao reclamar no outro dia com o bodegueiro, descobriu que não tinha comprado querosene jacaré. Tinham enviado para Zenildo, enganado, uma lata de querosene de avião. 
                                               Havia, ainda, uma outra qualidade bem perceptível em Giva & Val: eram teimosos como burro empacado. Tirante as confirmações sempre prontas para suas peripécias de caça & pesca, no mais teimavam sem parar. Qualquer opinião emanada por um deles via-se imediatamente contestada pela viperina  réplica do outro. Semana passada contavam , às gargalhadas, em Matozinho, uma história típica desses tempos em que menino não chupa mais bala, mas cospe chumbo.
                                               Segundo a conversa que corre solta pelos linguarudos de Matozinho, voltando da caça, Giva & Val viram na frente da vereda uma tuia de mais de um palmo, com características de excremento humano. Estacaram diante do monumento pútrido, até porque a vereda era estreita e havia um mata pasto alto ladeando-a, como um túnel. Val saltou das botas, fulo da vida. Tanto lugar pra fazer aquela imundície e o sujeito resolver executar sua obra no meio do caminho que , no caso, com a devida licença  do Drummond, não tinha num era uma pedra, não! Giva, logo atrás, saltou também das tamancas e discordou: aquilo não era merda não, senhor ! Podia ser, quem sabe, um monte de barro , ou algum monte de doce de leite caído de algum burro de doceiros que estavam levando para vender na feira. É binga! Não é! Eu provo! Estabeleceu-se um daquelas corriqueiras altercações tão típicas da equipe de caça formada por Giva & Val. Impossível de dirimir as dúvidas, Val se abaixou e cheirou o bicudo da rainha confirmando que tinha o cheiro ou fedor típico de cocô. Giva fez o mesmo e atacou de lá que parecia mais cheiro de argila. Para provar sua teoria, enfiou o dedo e passou no braço para cheirar mais de perto. Isso aqui é barro, seu burro ! Val , por sua vez, em meio à teima, esfregou a meleca no braço, levou ao nariz, e gritou : tá doido, tá de venta tapada? Isso aqui é merda aqui ou na lua ! Giva, fulo da vida, enfiou , novamente, o dedo no excremento e levou à boca, provando a iguaria, sendo seguido de um Val que, com iras de sommelier também resolveu provar da gelatina com vistas a contrapor a teoria do outro. Giva saboreou de cá, Val bochechou de cá e, pela primeira vez na vida, por fim, concordaram: aquilo era merda sim, não restava nenhuma dúvida mais. Tinham, por fim, tirado a querela a limpo. Pelo amor à ciência, no entanto, estavam melecados da cabeça aos pés e impossibilitados de falar com qualquer pessoa nos próximos meses por conta do bafo de fossa séptica.
                                               Os matozenses riam dos desdobros e  da birra da dupla impagável. Alguém, nas rodas de conversa, lembrou que a teimosia de Val & Giva não era tão diferente da de muitos eleitores que continuam achando que alguma coisa com cheiro de titica, gosto de titica, cor de titica e aspecto de titica pode se tratar de leite condensado. E, pior,  igual aos teimosos de Matozinho, só conseguem descobrir o óbvio quando já estão lambuzados com o esterco por dentro e por fora e, aí, já não há como separar a criação do criador .

Crato, 05/04/19

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