Nesse último
dia onze de abril, comemora-se o centenário do professor José do Vale Arraes
Feitosa. As gerações mais novas, ávidas e prenhes de presente, talvez nem venham a se sensibilizar com as
cinzas de um passado, mesmo que dourado e glorioso. O professor Zé do Vale foi
um ícone da educação caririense entre os anos 1950-1970. Nascido nas vastidões
áridas dos Inhamuns , veio bater nos pés de serra do Crato, empanturrando-se
dos ensinamentos do Seminário São José. Aqui casou por duas vezes, teve filhos, investiu-se das nobres funções de educador e administrador escolar, formando
inúmeras gerações de jovens no Colégio Diocesano, Estadual Wilson Gonçalves e no Colégio Agrícola,
hoje IFCE e , por fim, na “extrema curva do caminho extremo”, escolheu esta
cidade como sua derradeira morada. Neste sábado, familiares, colegas,
ex-alunos, amigos reúnem-se para comemorar, com vasta e diversificada
programação, os cem anos de um dos mais
importantes educadores que já perlustraram o sul cearense.
O mestre
carregava consigo qualidades humanas e
científicas difíceis de se reunir em um só vivente. De origem humilde,
conseguia enxergar as dificuldades quase que intransponíveis que se antepõem
diante dos alunos mais pobres. Percebia que careciam de tolerância extrema, de
cuidados especiais e paciência redobrada para conseguirem se desvencilhar da
areia movediça social em que tinham, secularmente, sido atirados. Desdobrava-se , por sua vez, em transpor
os próprios obstáculos da Escola Pública, cuja incúria e crônica falta recursos
não existiam por mero acaso, mas como bem definiu Darcy Ribeiro, eram sempre um
tenebroso e multi secular projeto governamental. Zé do Vale conseguia ter autoridade,
sem autoritarismo nenhum, era doce e carinhoso em todas suas ações, talvez, por
isso mesmo, fosse sempre profundamente admirado e querido por todos seus
alunos. Sempre é bom lembrar que o ápice da sua atividade educacional
transcorreu em plena Ditadura Militar de 1964, quando estudantes e líderes
políticos de oposição eram caçados literalmente no país e trucidados em praça
pública ou nos porões do DOPS. O professor manteve-se impávido nas suas
funções, fugindo do autoritarismo então imposto de goela abaixo, ciente de que a
dialética, o conflito de díspares pensamentos e ideias perfazem , sempre, a
essência da liberdade e da Democracia.
No dia de hoje,
assim, não se celebra apenas o centenário de um Educador pleno e completo, um
semeador de horizontes , um descortinador de futuros. Concelebramos a
existência de toda uma geração de educadores: Vieirinha, Luiz de Borba
Maranhão, Padres Ágio e Davi Moreira,
Sílmia Sobreira, Maria dos Remédios,
Alderico e Agnelo Damasceno, Adalgisa Gomes, Prof. Felix, Ivone Pequeno
e muitos e muitos outros. Todos eles sabiam-se transformadores de realidades,
catapultadores de habilidades,
formadores e moldadores de caráteres,
muito mais que meros explanadores de matérias e disciplinas. Toda essa
geração de profissionais entendia a capacidade única e redentora da escola
pública de qualidade e sabiam-na com instrumento único de dirimir seculares
desigualdades sociais; de fazer com que a escravidão fosse definitivamente
apagada das nossas relações humanas, bem além da Lei Áurea; de construir uma
sociedade banhada em ideais de fraternidade , um Brasil de cidadãos e não de párias e de bramas.
Hoje, reverenciamos esse sonho, num momento crítico de nossa história , quando
vozes tenebrosas afiam lâminas, engatilham coldres, preparando-se para novas temporadas de caças.
Quando celebramos Zé do Vale e toda essa plêiade de educadores caririenses ,
enaltecemos suas memórias, mas principalmente festejamos a vida, a esperança,
uma luz que mesmo hoje bruxuleante tem o poder de incandescer em feitio de
estrela candente e de sol abrasador .
Crato,
12/04/19
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