Há que se admitir que o veículo já não tem a pressão no turbo nem dele se espera o desempenho no motor de tempos
atrás quando foi fabricado. Já algumas
peças precisaram ser trocadas, alguns parafusos arrochados, porcas substituídas. A pintura tem o esmaecimento
inexorável do tempo, a pintura metálica perdeu um pouco o brilho, tem arranhões
e alguns descascamentos, não se pergunta
pelo ano de fabricação: cuida-se do estado de conservação. Fosse possível puxar
a folha corrida do calhambeque ver-se-ia que a bandeirada já deu cangapé,
derrapamentos aconteceram em algumas curvas, abalroadas verificaram-se em
alguns cruzamentos e um ou outro capotamento desavisado em estradas sinuosas
que, afinal : nem só de planícies e de highways
se constroem as veredas da existência.
O
certo é que cá chegamos na extrema curva do caminho extremo, como diria de lá
nosso Bilac. Os desenganos vão conosco à frente e as esperanças vão ficando
atrás , como , do lado de cá, gritaria o Pe. Tomaz. Animadores de neto, iscas
de assaltante e descuidistas, substituímos os lazeres cotidianos por tours em
farmácias, laboratórios e hospitais. Saltando da fase produtiva da vida ,
entramos no limbo dos pré ou quase falecidos, aqueles que precisam provar junto
à previdência , periodicamente, que mantêm o acinte de continuar vivos, apesar
do olho de seca pimenta do governo estabelecido. Nossas teses, ultrapassadas,
serão vistas sempre como primeiros sintomas do Alzheimer pelos familiares mais
jovens. Até alguns direitos básicos como estacionamento privativo e gratuito, prioridade em filas são engolidos a seco pelas gerações atuais e motivo de revolta nos
legislativos municipais. É que ao mundo
não interessa o passado, o vivido, o produzido: laranja chupada , bago no lixo
!
Carrego,
no entanto, a serenidade dos que não guardam muitos fantasmas e esqueletos no
matulão. Sei que não trilhei sempre o caminho
tido como correto na concepção pré-estabelecida pela sociedade. Abalroei
algumas barreiras na minha corrida de obstáculos, vezes por descuido, vezes intencionalmente.
Pus , a maior parte das vezes, minha sensibilidade, minha intuição e meu
sentimento contrapondo-se com as frias veredas da razão. Neguei-me , sempre, a
guardar muitas tralhas no meu baú, cinicamente, tentei colecionar o
indispensável. Busquei , intensamente, encontrar uma força superior que , por
acaso, dirigisse meus passos nas encruzilhadas pantanosas que , inevitavelmente
iria encontrar. Infelizmente, nunca consegui me deparar com essa luz
incandescente e transcendente, tive que usar a chama bruxuleante de minha
filosofia parca e pênsil, para decidir em que prato colocar os pesos na balança. Minha vida
profissional foi, até aqui, uma extensão de
uma ética pessoal que tem fundamento na
minha formação alicerçada no judaico-cristianismo, mas , principalmente, nos
livros laicos que, umbilicalmente, me têm sido íntimos companheiros de
trajetória. Pelos erros e acertos posso dizer sem remorsos : “I Did It My Way “.
Sempre
tentei carregar o fardo da existência, com uma leveza mínima, não me faltou o
bom humor em todo o meu caminhar. Não poderia levar muito a sério um filme ,
tragicômico, em que o ator protagonista morre no final. 66, assim, é uma idade mais que significativa.
Dizem os amigos que indica por si só o presente que devo esperar dos familiares
, meia-meia: o famoso par de meia lupo. Alguns outros adiantam que o 66 não é uma idade, mas uma profecia, matematicamente,
a metade da metade, restar-me-ia, assim uns 25% do bolo, com muita sorte, para usufruir daqui para frente.
Feito
o balanço da viagem , até este momento, sinto-me como o menino que degustou
todo o pudim de leite e sabe que este doce lhe preencherá a existência mesmo
que o futuro lhe traga o amargor e o fel das folhas outonais. Como se saltasse
de um trapézio, sem rede de proteção, a essência de tudo está no voo efêmero
mas mágico. Pouco importa que, do outro lado, um dia, as mãos dos parceiros não
consigam sustentar as do trapezista voador. A vida é o que acontece entre o
salto e o baque. Chegando a 66, só peço aos amigos e companheiros de jornada
que evitem, daqui por diante, me dar os meios sentimentos, os risos pela
metade, os afetos de meia. Isso acrescentaria mais um meio ao meu 66 e aí ,
apocalipticamente, eu viraria 666, o número da besta. E já basta ! Já temos um
chegando no governo e o Brasil não suportaria dois dragões de sete cabeças !
Crato,
21/12/18
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