Adélio Timbaúba
nasceu e cresceu em Matozinho. Filho de
carpinteiro, aprendeu o ofício com o pai
: Seu Milão, criando-se entre tábuas, dobradiças, parafusos e polcas. Menino
taludo, já ia substituindo, aos poucos, o pai que se viu quase que
imobilizado por uma congestão que lhe paralisou
o lado direito e o deixou com a voz meio engrolada, como se vivesse,
eternamente, comendo mingau de aveia Quaker. Desarnado,
ainda adolescente, o garoto já
tomava conta da movelaria, recebendo encomendas de gamelas, baús,
guarda-roupas, mesas e tamboretes. E foi nesta atividade que passou a sustentar
os pais já velhinhos e , logo depois, a sua própria família. Adélio
enrabichara-se de uma morena quartuda, de peitos estufados e insolentes como se
recém calibrados a trinta libras na borracharia da esquina. Em meio àqueles relevos e acidentes
geográficos íngremes e perigosos da Luzia, terminou fazendo derrapar os pneus do seu
coração. Os filhos se foram sucedendo,
em escadinha, e, de repente, viu-se Timbaúba com um time de futebol de salão em
casa. Os amigos resumiam fácil a vida do marceneiro: De dia na Movelaria e de noite na Luzia !
Se
os filhos multiplicavam-se a olhos vistos, a empresa do nosso carpinteiro não
prosperava na mesma intensidade. É que ,
de repente, começaram a surgir, no comércio local, peças pré-fabricadas de plástico, de madeira
prensada, a custo bem mais acessível. Tinham um certo frescor de novidade, de
modernismo , o que acabava por torná-las mais palatáveis. Perdiam, porém, no
quesito perenidade. As peças de Seu Milão e de Adélio passavam de avós para
netos, serviam como itens de disputa em inventário. Mas quem mais se importava
com perenidade ? As coisas todas passaram a ter a importância de uma garrafa
pet, prontas a serem lançadas no monturo logo depois do primeiro uso. Em um
determinado momento, Adélio viu-se apertado como pinto no ovo. Considerou,
então, ter sido um milagre de Deus, quando Idelfonso Queiroga, o então presidente da Câmara de Vereadores, o procurou
para encomendar o mobiliário da nova sede do legislativo municipal.
Era
uma empreita de porte vultoso, naqueles dias bicudos: estantes, cadeiras para o
plenário, mesas diversas, parlatório. Queiroga, falante como camelô de feira,
informou que o projeto estava pronto e a verba disponível. Pediu, então, que
Timbaúba apresentasse, o quanto antes, um orçamento detalhado. O certo é que
nosso marceneiro, alegre como galo campina em apanha de arroz, providenciou
tudo no fim de semana e na segunda feira procurou o presidente do sodalício
matozense, ainda pela manhã. Demonstrou tudo , detalhadamente, orçando toda a
obra em torno de vinte e cinco mil reais. Queiroga achou pouco a mão de obra de
apenas dez mil reais e pediu , para a surpresa do carpinteiro , que a elevasse para trinta mil. Timbaúba quase viu as boticas de seus olhos
saltarem das caixas. Logo depois, no entanto, o presidente informou que era
preciso, também elevar a parte do material , que inclusive já estava previsto
em folha, para cem mil. Explicou, então, a Adélio que aquela era a base das
obras no estado e que não podiam fugir às regras estabelecidas por lei. Disse
que não haveria problemas maiores e afirmou que bastava ele assinar uns papéis
e recibos que tudo correria às mil maravilhas.
O certo é que
depois daquela obra, as coisas melhoraram para Adélio. Logo depois foi
contratado como assessor político de Idelfonso. De repente, o carpinteiro
tornou-se pessoa importante na cidade, com casa própria no centro, carro novo ,
os filhos riscavam a cidade montados em motos e
D. Luzia , teria ido à capital, e já fizera umas reformas nos acidentes
geográficos que começavam a sofrer erosões por conta da gravidade. Andava,
ainda, com os vestidos e adereços das mais finas grifes.
Os matozenses
, diante de tão acintosa prosperidade, não conseguiam explicar como a
carpintaria de Adélio virara mina de ouro. Pelo sim, pelo não, apresentavam
teorias conspiratórias as mais diversas para tentar chegar perto dos segredos
daquele fenômeno.
Semana
passada, os vereadores acordaram com a serenata
das sirenes da polícia em suas
portas. Sete foram levados em cana, sob acusação de desvios de dinheiro
público. Segundo o processo, teria havido superfaturamento nas obras da nova
sede da Câmara Municipal e os assessores dos vereadores eram obrigados a
devolver metade dos salários para seus chefes, sob alegação de que estavam
ajudando-os em futuras campanhas. Queiroga e os demais vereadores, ouvidos, foram
soltos no mesmo dia. Jogaram a culpa toda nos seus assessores que, segundo
eles, formaram uma quadrilha para roubar as parcas posses do município. A
defesa deles foi a mais veemente tese advocatícia já pronunciada em Matozinho:
--- Seu juiz,
fomos enganados ! Não compensa a gente confiar nas pessoas ! Desculpa, viu ?
Os assessores
estão presos e incomunicáveis. Adélio, diz-se que avisado por Queiroga, que
soubera da operação através de um juiz
amigo, no dia anterior, fez um pernas-pra-que-te-quero fenomenal. Ninguém sabe
por onde anda.
Dez dias
depois, o prefeito Sinderval Bandeira e o presidente da Câmara, Idelfonso
Queiroga, foram agraciados,
na capital, pelo Ministério Público, com o Prêmio Asa de Águia, pelo seu
empenho no combate incessante à corrupção. Dizem os matozenses que, no quintal da repartição, enquanto a
solenidade transcorria com toda sua pompa, dois personagens conversavam e riam
alegremente, trepado cada um na sua árvore . Um deles, de barbas longas, comia
uma goiaba e falava de coisas celestiais; o outro, enquanto chupava uma laranja
meio azeda, fazia caretas e dizia que o companheiro da outra galha se
equivocara : é mais fácil uma agulha entrar no fundo de um camelo do que um
rico entrar no céu !
Crato, 14/12/18
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