J. Flávio Vieira
“Faz tempo que para pensar
sobre Deus, não leio
os teólogos, leio os
poetas.”
O Cariri amanheceu diferente, neste finalzinho de novembro. De repente,
as fontes , estendendo-se em levadas serra abaixo, começaram a entoar cânticos que pareciam canção de ninar. Os piquizeiros vestiram
vestidos de um verde esfuziante, no arisco e na chapada, como se preparando
para um precoce réveillon. Os ipês
amarelos apressaram-se em espalhar suas
flores pelo chão , como que estendendo um tapete dourado para a chegada de um
distante e misterioso viandante.
Rolinhas fogo-pagô, nas galhas dos candeeiros, pareciam esforçar-se para deixar seu canto
menos dolente e menos tristonho. O Grangeiro, coleando as margens da serra, como
uma cobra corredeira, juntou águas novas e translúcidas, colhidas de chuvas de
caju, preparando-se ,religiosamente, para uma cerimônia de lava-pé. Soldadinhos,
saltitantes na mata ciliar, cantavam com patente de general. E as cigarras,
trinando cantos de amor, buscavam atrair parceiros para seus voos nupciais, mas
, percebia-se claramente, pela vertiginosidade de seus agudos, chamavam a atenção para as bodas da terra e do
céu. As formigas de roça traçavam retilíneas e límpidas autopistas, atapetadas de
pedacinhos de folhas, sem ajuda de
teodolitos, naquele dia, didaticamente, indicavam que o destino final
mostrava-se um mero detalhe e o essencial era sempre a travessia. Vaga-lumes, de
noitinha, acendiam seus pisca-piscas, nas moitas de mufumbo, antecipando
árvores de natal. Tudo , de repente, embebera-se numa delicadeza leve, sutil, como
se luvas de pelica protegessem mãos de crianças. De ríspido, apenas um cavalo-do-cão que, vez por outra,
fazia voos rasantes, com suas asas crispadas, trazendo um contraponto na
balança da natureza.
Por
que toda cumplicidade do tempo , do mundo e da vida ? Qual a razão da epifania ? A volta do Cristo, como profetizam os
evangélicos ? O advento da Conspiração de Aquários como preveem os esotéricos ?
O fim dos tempos como querem os milenaristas ?
Que
nada ! Toda a criação está em festa porque hoje Abidoral Jamacaru faz 70 anos.
Poeta, músico, professor, compositor,
ambientalista, ele é o Menestrel do Cariri. A natureza criou o Vale para que Abidoral pudesse reinventá-lo. Nosso
poeta ficou nas mãos com a chama do fiat
lux primal. Esse dia será comemorado como nosso menestrel sonha : com voos rasantes de mangangás, pífaros
de pássaros, paradas militares de zabelês e embuás, malabarismos de
beija-flores , retretas de sabiás e pirotecnias de vaga-lumes. A vida celebra a
vida ! Parabéns Abidoral Jamacaru !
Crato, 28/11/2018
2 comentários:
Parabéns Abidoral, pelos 70 anos e pelo drible desencadeado por um garoto no campo de terra batida revelando sua melhor idade, "passa a bola pro véi menino", a mim narrado por Zé Flávio no salão Terra da Urca. Forte abraço Sé.
Corrigindo,
Forte abraço Zé.
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