Astrolábio Cafinfim
era uma das figuras mais populares de Matozinho . Desde novinho, todos
notaram, rápido, ele viera com parafusos de menos ou, talvez, cabos e conexões
em demasia. Crescendo, corria como cachorro, em tempos de lua nova e rangia os
dentes, nos quarto minguantes,
crescentes e na lua cheia. Na escola, apesar da doidice, sempre fora um aluno
bem acima da média. Num relance súbito, muitas vezes, resolvia intricados
problemas matemáticos. Tempos por tempos, no entanto, começava a delirar,
dizia-se uma reencarnação de Cristo, botava para fazer milagres a granel.
Noutras, travestia-se de um lorde, envergava roupas militares e traçava planos
mirabolantes para resolver a questão indígena no Brasil. Quando lhe perguntavam
o nome, era enfático e rígido :
--- Marechal Rondon !
Continência, cabra !
Astrolábio , assim,
transitava livremente pela vila, transformara-se quase numa preciosidade de
Matozinho. Uma figura, como a lua, apresentando muitas fases, destoava do
mesmismo da maioria das pessoas, sempre iguaizinhos, dentro da mesma caixa de
sapatos. Cafinfim, por outro lado, tinha, como Pessoa, muitos heterônimos. E
tinha tiradas de gênio, muitas e muitas vezes. Dias desses, pedreiros estavam
cavando uma cacimba, próximo ao açude do Sabugo. O buracão já ia com mais de
trinta metros de fundura. Os cacimbeiros pararam um pouco porque encontraram um
grande cano de uma adutora que passava justamente no caminho da escavação
cacimbal. Pois num é que Saturnino Codó, um magarefe da vila, passando por ali,
caiu inadvertidamente, dentro do cacimbão ? Queda feia, braço quebrado, ferido,
ficou morre não morre lá dentro. Não conseguiam tirá-lo, pois Codó não tinha
como sustentar uma corda, devido à fratura. Todos imaginavam que morreria ali,
sem socorro. Pois num é que Cafinfim matou a charada ! Pediu para um dos
pedreiros descer no cacimbão, com uma marreta e quebrar o cano da adutora.
Todos riram com a aparente solução louca
de Astrolábio. A água ia jorrar e afogaria os dois. Cafimfim, então, fechou o
firo :
--- Deixem de ser aruás !
Joguem uma câmara de ar de caminhão para
Codó e o pedreiro. A água jorra, enche o buraco e eles sobem até a boca
da cacimba !
Todos ficaram tontos com a
solução que, rápido, trouxe nosso Codó de volta à superfície para pronto
tratamento. Alguém, então, perguntou, meio confuso :
-- Oxe ! Cafinfim ! Como pode
? E tu num é doido não, é ?
-- Doido eu sou ! E não
arredo pé disso ! Agora o que eu não sou é burro !
Astrolábio carregava
satisfeito e orgulhoso este título honorífico de mais pirado de Matozinho.
Imaginava, extrapolando o seu mundo, que talvez, em todo o universo não
houvesse um outro biruta mais varrido do que ele. Semana passada, passando na
praça, andava plantando bananeira. Explicava que para um mundão desse às
avessas só dava para viver de ponta cabeça também. Ele parou defronte a uma
televisão pública instalada pela prefeitura. Num jornal televisivo apareceu, de
repente, um presidente recém eleito , de olhos esbugalhados, cuspindo brasa e
tossindo lagarta de fogo, dizendo que ia transferir a embaixada brasileira de
Telavive para Jerusalém , e cortaria relações diplomáticas com Cuba e Venezuela
e nem interessava que retaliação a china
poderia tomar. Astrolábio, observando tudo de bunda canastra, comentou , entredentes :
--- Meu Deus ! E eu pensando
que era o mais doido deste mundo ! Já vi ! Esse aí caga rodando, viu ? Brigar
cum bicho manso como árabe ... Catucar
marimbondo de chapéu feito Chinês
... Sei , não ! E depois o doido sou eu,
é ? Ainda bem que sou só doido ... Continência !
Crato, 09/11/18
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