A vida é um grande séquito fúnebre em
que seguimos, cabisbaixos, à espera de inumar nossas paisagens interiores.
Nosso corpo físico sobrevive a estas exéquias intermináveis, inconsolável
muitas vezes, aliviado, outras tantas, enquanto aguarda a hora terrível em que
saltará no abismo junto com a história. O ávido Buraco Negro está bem ali na nossa frente, esperando o momento
único e inexorável em que tudo volta à essência energética original.
Mas são
muitos os velórios a seguir, precedendo este último e definitivo funeral.
Antes, levaremos ao túmulo o menino que um dia fomos e que , aos poucos, viu-se
travado e congelado pelas intempéries da vida. Junto com ele, enterramos um sem
número de ilusões, de sonhos, de ambiguidades. Pegaremos ainda na alça do
caixão dos nossos amores que carregavam consigo uma intangível aura de
eternidade e que, sabe-se lá como, viram-se aos poucos corroídos pelos cupins
do cotidiano. Acompanharemos, ainda , o féretro de muitos amigos, que impávidos
e aparentemente inquebrantáveis, foram pouco a pouco, tombando às margens do
caminho e, com eles, testemunhos vivos da nossa viagem, vemos evaporar boa parte das folhas do nosso
diário de bordo. Os nossos pais e avós, únicos advogados insubstituíveis no
nosso percurso, partirão antes de nós e seremos nós os anfitriões em suas
exéquias. O cenário da nossa existência será pouco a pouco substituído, mudado
o figurino, alterado o script, até que chegue o momento único em que percebemos
que já não temos o que fazer no palco e devemos sair de cena, sorrateiramente.
Morrer será
apenas o somatório das muitas mortes que irão acontecendo ao longo da nossa
jornada. O desaparecimento físico configurará apenas o último ato de uma
tragédia longa, em que, paulatinamente, os personagens vão saindo de cena e, de
repente, vê-se o ator demente no proscênio, sem maquiagem ou adereços, sem luz,
sem texto, sem outros saltimbancos para contracenar e, mais: já sem plateia.
No fim, será
o fim a última verdade. Os protagonistas da hora extrema silenciam: As velas
apagam-se, as flores secam, as lágrimas estancam, as orações perdem sua magia,
os epitáfios ficam pífios. Acalanto e incelença são duas partes de uma mesma
canção, assim como a estrela e a cruz fazem parte de uma mesma constelação : a
Via Pulveris.
Crato, 01/11/18
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