quinta-feira, 11 de outubro de 2018

O Lobo no Espelho



O Brasil, último país a acabar com a escravidão,
 tem um perversidade intrínseca na sua herança,
que torna a nossa classe dominante
enferma de desigualdade, de descaso.
Darcy Ribeiro


                                               Este período eleitoral desvendou  uma face do país bem diversa daquela que vimos apregoada por nossos mais famosos sociólogos e antropólogos. Como entender que a nação mais cristão do mundo, em pleno tempo do Papa Francisco, se veja com ganas de cão hidrofóbico,  com ataques sistemáticos , com a aparente catarata da autoridades constituídas, às eternas minorias de gays, pobres, negros, nordestinos ?  Onde ficou guardada a Bíblia, em que gaveta se esconderam  os rosários e os crucifixos? Observando , friamente, as hostes bárbaras ao nosso derredor, parece que estamos vivendo uma reprise alemã dos anos 20-30, com milícias armadas aterrorizando as ruas; com discursos inflamados  tomando de assalto as mídias televisiva e social, pregando, sem nenhum pejo e pudor: o assassinato sistemático de adversários políticos. Adiante vê-se o armamento aberto e despudorado de uma população totalmente despreparada para portar sequer uma baladeira; o assalto a todos os direitos da população trabalhadora; a ameaça de fechamento do Congresso e do retorno à Cortina de Chumbo dos tempos ditatoriais; o abandono do grosso da população brasileira, a miséria, à fome, à doença e ao extermínio; a substituição de fatos e  notícias  por fofocas cabeludas disseminadas pelos Gobbels de plantão. E o mais insensato e incompreensível em tudo isso, como na Solução Final, do Nazi fascismo, com o beneplácito  da população burguesa, mas, incrivelmente, com enorme respaldo também naqueles que, logo mais,  estarão diante do pelotão de fuzilamento. Poderemos ter -- tempos loucos ! -- uma ditadura mascarada, ao arrepio da Constituição dita cidadã,  instalada com o respaldo das urnas, sob a eterna justificativa ( aí a receita sempre se repete) de combate à corrupção, ao ateísmo, às distorções morais. Falta apenas, no nosso projeto de Fascismo  tupiniquim, o exacerbado patriotismo , antes tão prevalente nas casernas, mas, agora, incompreensivelmente,  substituído por uma lúbrico e desbragado entreguismo. Sempre é bom lembrar que se a porta de entrada para tempos ditatoriais aqui poderá ser pelo voto, a saída sempre faz-se demorada, penosa, aberta com golpes de baioneta e, a história tem mostrado, com muitas baixas do lado daqueles que não portam as armas de guerra.
                            Temos que conviver, neste Brasil, em pleno Século XXI, com discursos  pré-iluministas. A Escravidão passa a ser novamente perfeitamente justificável; as questões ecológicas são mero atravancamento ao progresso humano; os pobres , como os índios, merecem seu sofrimento e extermínio por conta da preguiça desenfreada; os Caldeirões, os Canudos são novamente resolvidos com rajadas de metralhadoras . Onde escondeu-se, envergonhada , a propalada cordialidade do brasileiro, um dia apontada pelo nosso Sérgio Buarque ? O elogio à nossa miscigenação, como pedra de toque da nossa grandeza humana, que tanto nos fez pábulos , nas palavras de Gilberto Freyre, como escafedeu-se tão sorrateiramente ? Por que . agora, de manhã acendemos uma vela aos santos e, à noite, como lobisomens , saímos  para nossos rituais satânicos ?
                            Faltam poucos dias para que, definitivamente, aclare-se esta bipolaridade que invade nossa alma. Somos um projeto de Nação, com o longo caminho a ser percorrido ainda, em busca de acolher toda a população como irmãos, sob o manto da liberdade e da cidadania ? Ou apenas um mero aglomerado humano, cuja sobrevivência se rege pela lei do mais forte e do mais poderoso, sem rumo, sem alfa, nós selváticos e selvagens : chacais e lobos de nós mesmos ?

Crato,  11/10/2018

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