Recebi,
recentemente, carta de Matozinho endereçada a mim pelo velho Senevaldo
Jurubeba, um dos últimos amigos que ainda mantém um certo contato comigo,
depois que me mandei daquelas brenhas. Senevaldo é desses que ainda se comunicam por cartas e telegramas com o
resto do mundo e -- pasmem! -- acreditam na celeridade dos Correios & Telégrafos.
A mal traçada me chegou com mais de um mês da sua postagem e, imagino, os
motivos elencados possivelmente hão de ter se agravado desde então.
Senevaldo, então, me
escreve para reclamar da nova modalidade esportiva em pleno curso na pequena
Matozinho: a caça ao voto. Candidatos a deputado e senador-- acumpliciados com vereadores,
prefeitos, babões-- invadiram a vila,
como formiga de anjo em bolo mole. Arrancam crianças catarrentas dos braços das
mães; abraçam efusivamente feirantes no meio da feira; vertem lágrimas, quase
desidratando em velórios; comem sarapatel, panelada, buchada no mercado, sem
engulhar e ainda lambendo os beiços; visitam os pobres nas suas casinhas de
taipa , posando de íntimos da família. Distribuem sorrisos mal ensaiados
para todas as pétalas das Rosas dos Ventos. Numa ânsia mal contida,
inauguram obras que sequer ergueram-se do chão: arremedos de escolas, de
creches, de estradas, de pracinhas. Senevaldo
reclama dessa epidemia de simpatia e de uma outra praga contagiosa: a proliferação
de promessas. Candidatos prometem , sem nenhum pejo, resolver as secas do
Nordeste; curar coceira de macaco; perfumar catinga de fiofó; fazer nevar em
Picos em outubro; convencer pastor a dispensar o dízimo.
Semana passada, narra
nosso Jurubeba, aconteceu um fato que
extrapolou toda a perspectiva esperada para a hipocrisia típica dessa época. E
esse , em verdade, seria o motivo de nosso contador ter-me escrito a missiva,
solicitando-me o abrigasse na minha casa até outubro, quando os políticos , por
fim, voltarão, novamente, para as suas tocas, deixando o povo em paz.
Na rua próximo ao
cemitério da cidade, de repente, conta Senevaldo, um candidato a deputado viu
um grande amontoado de gente, seguindo em procissão, avenida abaixo. Parecia,
em fim de tarde, tratar-se de um cortejo fúnebre. A turma da frente, carregava,
lado a lado, uma longa carga, pesada, que à distância parecia tratar-se de um
caixão. Rápido, o candidato Gonofrino
Oliveira, também conhecido como “Gonô Taba-de-Fojo”, pôs-se piedosamente no séquito, acompanhado
por um bando de puxa-sacos, todos, cabisbaixos, remoendo, entredentes, palavras
abafadas em feitio de preces. Gonô debulhava-se em lágrimas sentidas, como se
houvesse perdido um familiar próximo. No fundo, o candidato percebia que o
velório e o enterro são os momentos mais importantes para se explorar o
sentimento alheio. De repente, viram o cortejo adentrar um galpão grande que não
era, com certeza, o cemitério. Imaginaram que talvez se tratasse da visita
última a alguém querido. Mantiveram-se chorosos e balbuciantes. Aos poucos,
notaram que demorava muito o retorno do cortejo e que, inclusive, uma parte já
tinha se dispersado. Gonô caprichou na enxurrada de lágrimas e se aproximou,
então, do caixão. Parte para entender a causa da demora, parte para , por fim,
se abraçar com os familiares mais chegados e fazer seu teatro e sua média. Só
então percebeu a enrascada em que tinha se metido. Aquilo não era o cemitério,
mas uma oficina e, no chão, ao invés do caixão com o falecido, estava um pesado
motor de caminhão que havia sido trazido , a muque, com ajuda de muito gente, para conserto. O Expedito, o dono da oficina,
sem entender, vendo o choro copioso de Gonô, que já inundava toda camisa, quis
saber a parte dele naquilo.
--- Seu Gonô, o senhor tá tão
choroso, oxente ! O caminhão é seu ? O que aconteceu !
Gonô, pego de surpreso,
enxugou um pouco as lágrimas, mas não perdeu a pose.
--- Snif ! Snif ! É que esse virabrequim,
Expedito, era mesmo que ser meu irmão !
Crato,31/08/2018
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