Hoje, muitas vezes olho no espelho e
, do outro lado, um dinossauro me observa. Sinto-me uma espécie do cretáceo, quando observo o
mundo ao meu derredor. Ainda leio e coleciono livros feitos de papel e
impressos como um dia Gutemberg os fabricava. Preza-me a sua presença física,
com o passar das páginas, o encanto de suas ilustrações, o cheirinho
característico do livro novo ou o bolor espirrante dos velhinhos e amarelados.
Acho os e-mails frios e impessoais, com sua
linguagem truncada e seus emoticons repetitivos e , apesar do que o nome poderia
sugerir, sem muitas emoções. Claro que me admiro com a velocidade e rapidez de
seus percursos, ligando pessoas, mundo a fora, em tempo real, mas , muitas vezes, angustio-me com a sua fluidez
demasiada e a rapidez com que se esfacelam a um simples toque. As cartas traziam,
junto com elas, as palpitações da espera, a perspectiva inebriante da campainha
que grunhia sob o dedo do carteiro, e os
parágrafos que se estendiam para o nosso deleite ou aflição, com seus
substantivos concretos e abstratos, seus doces ou impetuosos adjetivos e suas
mensagens cifradas que pulavam em meio às entrelinhas. Sobrava tempo para a
reflexão, para a fantasia, para o silêncio: o anverso da moeda da linguagem.
Em meio aos sopapos da agulha das radiolas e chiados dos discos de vinil, também, percebíamos mais alma, mais sentimento do que
no som limpíssimo que hoje brota do Spotify. É que há sempre uma dose de
artificialidade , de inumanidade na perfeição. As músicas antigas buscavam
balancear as deficiências da tecnologia com um superávit na voz,
na qualidade musical, na fineza da poesia, no instrumental.
As pessoas, por outro lado, viam-se episodicamente.
Amigos encontravam-se em festas e solenidades, comunicavam-se por cartas,
telefones, telegramas eventuais, mas quando o encontro acontecia era uma
celebração. Vestiam-se de gala, armavam sorrisos e mesuras, sortiam as mesas
com a magia da culinária e a graça esfuziante do vinho , para celebrar nossos
solstícios de estações. Hoje, com presença contínua e distante no Smartphone, no
Whatsapp, esta onipresença esvaziou e embotou a Arte do Encontro; estamos
fisicamente mais perto mas tornamo-nos espiritualmente mais afastados.
A
velha enciclopédia Barsa foi tangida para os porões das casas e dos sebos pelo
Google que nos fornece, num átimo, 300.000 páginas de referência para um só
assunto digitado. Uma abundância excessiva que supera todas as nossas
necessidades e nos empurra, de goela abaixo, o joio, o trilho, o milho , o
feijão , o arroz e também seus escolhos.
Como catar o excessivo imprestável do fundo da bacia ?
Junto com a
velocidade estonteante no bólido dos dias atuais sobra pouco tempo para curtir
a paisagem estroboscópica que nos borra as retinas. Sequer é possível
conversar com os outros passageiros que dividem conosco a viagem. Levamos malas
e malas supérfluas que em pouco pairarão
livres pelo espaço. A nossa nave, como a Colúmbia, terá sempre um percurso curtíssimo, e aguarda a explosão logo ali à frente na reentrada
da atmosfera do vale do silêncio ou no pouso final no mar da tranquilidade. A
única bagagem que poderíamos desfrutar seria a viagem usurpada pela velocidade
que imprimimos ao nosso bólido.
O dinossauro,
do outro lado do espelho, volta a me olhar, agora com ar de reprovação. É como se me lembrasse
que o grande cometa já vem vindo de encontro à terra e que devo botar a
violinha no saco e recolher-me à minha insignificância de sauro obsoleto e
candidato à extinção. O impacto já se prenuncia e virão tempos de novas eras
geológicas, de outras espécies a tomarem de conta do planeta. O mundo que virá
não será nem mais bonito nem mais tenebroso do que aquele de antes da explosão.
Será apenas um mundo novo. Só.
Crato, 13/07/2018
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