Em Crato, talvez o ouvinte não saiba,
existe também o nosso Vale dos Reis. Junto à nossa necrópole , o Cemitério
Nossa Senhora da Piedade, temos todo um complexo mortuário. A Vila Caveirinha,
o CEO , o Inferninho e o Purgatório ( representado
este pela Delegacia de Polícia, nos arredores do Parque de Exposição) . Agora,
com a reforma ampla da ExpoCrato,
perdemos o nosso Inferninho que foi
transferido para uma outra área, mas já sem o glamour , as caldeiras e as
labaredas de outrora. Alguns podem até pensar que a demolição do Inferninho
representou uma evolução. Mas que seria do Paraíso sem o contraponto
imprescindível do Inferno ? A Divina Comédia não teria o mesmo sabor apenas houvesse as nuvens e a paz do éden
e as seções reformistas do Purgatório. A
viagem final não causaria o mesmo frisson sem todas as estações disponíveis à
barca de Caronte.
Em meio à
maior festa do sul cearense, as barracas, os picadeiros , os galpões enchiam-se
de figurões, de remediados diluídos entre a simples curiosidade, a atração
mercantil ou o puro e doce entretenimento. A outra face da lua brilhava
fosforescente , nos descampados abaixo dos galpões, ao lado da área destinada ,
hoje, ao FMRB ( Festival de Música Ruim Brasileira). Era o Inferninho ,
atulhado de barracas mais simples, com som popular para todos os gostos
breguianos, onde era possível comprar bebidas, alimentos e até amor verdadeiro,
a preços módicos e negociáveis. O Inferninho tinha vida própria e brilhava mais
e mais quando o resto do parque adormecia, quando os bacanas e grã-finos fugiam
da raia ou iam se entorpecer dos breganejos e no Forrós de Isopor dos dias atuais. Uma ou outra vez, o satanás
pulava de barraca em barraca, com sopapos e saracoteios, mas , no geral, as
chamas infernais não chamuscavam seus penitentes , apenas aumentavam a
temperatura das goelas e o fervilhar das carnes. Do outro lado dos seus
domínios, piscava uma luz fraquinha e
fosca, mesmo sob o efeito do álcool os circunstantes chiques mantinham uma
postura e alegria contidas, degustavam
comidas insulsas e esparramavam no tapete seus sorrisos insípidos de manequim .
A demolição
do Inferninho tira muito do tempero da festa. Como enxergar a doçura do sal,
sem a comparação opositora do mel ? Como perceber a sutileza dos tons bemóis
sem o reverso dos sustenidos ?
Claro que ,
ao que parece, no aspecto político não se modificou, muito, a corte celestial.
Há um paraíso franco para os organizadores, um purgatório para o povaréu e um
inferno para onde foram destinados os artistas da região do Cariri, migrantes
de uma terra que nunca lhes representou o paraíso mas, ao menos, parecia ser
uma Terra Prometida. Saudade daqueles doces diabos de outrora !
Crato, 20/07/2018
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