Lembrei-me
de uma história antiga, recentemente, que muito reflete essa sina de bumerangue
da vida brasileira. Visitando uma Exposição de Arte Moderna, num desses museus contemporâneos,
um sujeito espanta-se com uma obra
inusitada. Uma grande tela, completamente branca, tendo apenas, abaixo, a
assinatura do autor: Teo Syd - 2017.
Junto, em uma placa metálica dourada, aposta no lado direito, com letras alto-relevo, o nome da obra branca esdrúxula : “A Fuga dos Judeus do Egito”. Impressionado com a criatividade do pintor, o
visitante aproxima-se e procura tentar
entender a concepção da obra. Onde estava retratado o episódio bíblico, numa
tela inteiramente branca ?
--- Este
quadro representa a fuga dos hebreus do Egito ?
--- Isso
mesmo ! -- Retorna o autor.
--- Mas cadê
os hebreus, que não consigo identificar no quadro ?
--- Os
hebreus já atravessaram o Mar Vermelho e foram embora em busca de Canaã ! -- Confirma
o artista ?
--- E o Mar
Vermelho com suas margens milagrosamente escancaradas , para a travessia do
povo de Deus , onde está ?
--- As
margens abriram muito, para a passagem de Moisés e sua corriola e as águas
estão fora das extremidades da pintura, assim não aparecem !
--- E cadê o
exército do Faraó que vinha em perseguição dos judeus ? --Quis saber o
visitante.
--- Ele se atrasou
e ainda não chegou. Acaba de sair do Cairo !
O quadro
retratava um momento ímpar, onde alguns eventos já tinham ocorrido e outros
ainda estavam por acontecer. Entre o que ainda não foi , o que já ocorreu e o que ainda será.
Esta história
vem a reboque de uma mais recente. Semana passada, em Brasília, numa Exposição
de Arte de Vanguarda, um artista plástico, Arcanjo Vannicelli, apresentou um quadro similar ao da história
anterior. Tela branca, quase imperceptível, na galeria alvíssima e iluminada.
Logo abaixo o nome alatinado da peça : Terra Temerosus Brasilis. A peça chamou
a atenção de um desses ratos de galeria. Ele se acercou de um senhor que cenho
algo carregado, que se postava, de pé, em um dos lados da pintura. Afastou-se,
observou com distância regulamentar, logo depois bem próximo e, curioso, puxou
conversa.
--- Esta
quadro pretende representar o Brasil, nos dias atuais? É isso ?
--- Isso mesmo,
meu senhor ! Tenta trazer um pouco do espanto porque todos estamos passando.
--- Onde
estão simbolicamente representados os verdadeiros governantes do país ?
--- Foram
expulsos ou tão presos, não aparecem na obra !
---- E onde
podemos ver os atuais governantes, que tomaram o poder de assalto ?
---
Escondidos ! Não podem aparecer, sob risco de linchamento !
--- E o
poder judiciário , onde posso identificar aqui nesta tela ?
--- O céu
não aparece na tela, meu amigo, está fora do foco. Os juízes estão no Olimpo:
metade pensa que é Deus e a outra metade
tem certeza!
---- E o
povo, cadê ? Onde está escondido, nesta brancura toda ?
---- O povo
está só observando, como o senhor, ele não faz parte da pintura !
Impaciente,
nosso visitante quis entender melhor detalhes
daquela que um dia poderia ter sido uma aquarela. Achou estranho a obra
em branco. Cuidadosamente, passou a mão e não sentiu o relevo do quadro e nem a
aspereza do pano. Voltou-se, então, para o seu interlocutor.
--- Oxe !
Não tem tela aqui , não ! Isso é parede. A obra é um mural ?
--- Meu
amigo, não lhe conto, até ontem tinha. Venderam a peça de madrugadinha, por uma
pechincha !
--- O
Senhor, como autor da obra, permitiu a negociação por uma ninharia ?
--- Eu não
sou autor da obra não! Sou um crítico de arte !
--- E quem é
o sujeito que pintou o quadro ? Cadê ele !
--- O Ângelo
? Ele pra tudo que pintava ou fazia só
usava a direita. Tentou numa luta, nesses dias, um golpe e caiu do cavalo.
--- Ah !
Então o senhor é, aqui, o responsável
por isso tudo !
--- Eu ?
--- Você sim
! -- Firma o visitante, com alguma aspereza.
--- Você num
mora aqui em Brasília ?
--- Não, eu
sou de Curitiba, meu senhor !
--- Ah, seu
irresponsável, o senhor mora lá, é ?!
--- Moro !
Crato, 30/04/2018
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