sexta-feira, 9 de junho de 2017

O Ballet chega a Matozinho


                                            

                                  
                                                                Por uma dessa fatalidades difíceis  de se explicar, o Ministério da Educação, de repente, lembrou-se de Matozinho. E a notícia caiu como uma bomba cabeça-de-negro,  no centro da vilazinha. Pois não é que Escola Cunegundes Chinchorro,   entocada no escondidíssimo  Sítio Mata Rasa, apresentou, sabe-se lá como, uma das melhores médias brasileiras no ENEM ?  Matozinho,  que sempre viveu de moral altíssima, agora tinha mais um motivo para se gabar e passar quinau nas cidades vizinhas. Por um longo período, as cartucheiras dos gabolas de plantão permaneceriam   prenhes de munição.
                                   Rápido,  imputou-se o resultado favorável à única professora da escolinha: D. Vicência Gumercindo Catonho. A mestra utilizava uma pedagogia  antiga, pré-piagetiana, ainda com o incentivo da palmatória, do bolo  e das sabatinas. Atarracada, com cara de quem vivIa eternamente chupando tamarindo, Vicência carregava , como uma amestradora de circo, os alunos na palma da mão. Quando soube do feito inusitado, a mestra pareceu discretamente feliz, mas não fez estardalhaço.
                                   --- Fica provado que quiriquiqui e quererequequé  não ensinam nada a ninguém! Aqui a volta é seca ! Quem quiser amofinamento de menino , não traga pro Cunegundes !  Vistam uma sainha nos guris , calça comprida nas meninas e deem papinha pra eles !  Nosso lema sempre foi : Se vier com nenenhém,  você se lasca no Enem !
                                   Matozinho encheu-se mais de orgulho, quando, no mês seguinte, D. Vicência foi chamada para uma solenidade , no Rio de Janeiro, onde receberia, oficialmente, do ministro, uma condecoração pelo seu feito. Apesar da euforia do prefeito Sinderval Bandeira, doidinho para pegar carona no tento da professora, ela não cagou goma, disse, explicitamente : apenas tinha cumprido com sua responsabilidade e que mérito, se algum havia, devia ser debitado ao esforço , claro que meio forçado, dos alunos.
                                   D. Vicência seguiu para o Rio junto com uma grande comitiva da prefeitura. Lá, recebeu a comenda pela glória alcançada, exaltando-se  a importância da mestra , que trabalhava num cuvioco , onde Judas havia perdido as esporas  e jamais encontrado. De posse do diploma, recebeu ainda um ingresso para uma apresentação do Ballet Bolshoi no Teatro Municipal. A comitiva matozense, de pronto, quis também participar, embora nem soubesse bem que diabos era aquilo. Infelizmente, Sinderval foi avisado pelo cerimonial que o convite era um presente exclusivo para Vicência e que  os ingressos de toda a temporada do Bolshoi já estavam esgotados.  A comitiva, composta mais de marmanjos, encontrou um álibi perfeito e partiu para comemorar na zona do mangue.
                                   Dias depois, D. Vicência retornou a Matozinho e foi recebida , sob os acordes do Cisne Branco, executados pela  Banda Municipal. Sinderval pediu à mestra para fazer uma palestra na praça central da vila . O intuito era explicar para todos os interessados que diabo teria sido aquela presepada que ela teve que assistir no Teatro Municipal, o tal do Ballet.
                                   No domingo, logo depois da missa das seis, reuniu-se uma grande plateia na pracinha. Vicência sentou-se numa cadeira alta, no coreto e , então, deu a sua interpretação para o povo de Matozinho entender aquela estrovenga que tinham obrigado ela a assistir no Teatro, um tal de “O Lago dos Cisnes”. A mestra respirou fundo e sapecou, didaticamente, utilizando o matozês, senão era perdido, ia ficar todo mundo com cara de boi olhando pra lua.
                                   --- Meu povo, pense num bicho esquisito é o tal do Ballet ! Era a história de umas jacanãs arredor de um barreiro. E elas não apareceram, parece que tinham voado pra longe que nem ribançã!  Uma banda cabaçal, escondida, tocava uma dessas músicas que toca nas rádias quando morre presidente. Logo apareceu um cabra, vestido com uma calcinha justa, tipo  collant, que dava pra ver os pissuído tudim ! Tinha cara de baitola, andando nas pontinha dos pés, como se tivesse espinho de macaúba enfiado no calcanhar. Era vê neguim   tomando chegada para a atirar nos marrecos. Mas como ? Nem espingarda ele levava ! Do outro lado,  apareceu  uma mulher , também  com espinho nos pés, sem querer fazer barulho e vestida numa roupa que parecia mais um guarda chuva de cabeça pra baixo. Aí bota a aparecer mais gente, tudo andando de fininho. Pois num é que de repente a mulher do guarda chuva se bota pra cima do amofinado, querendo arrancar leite de pedra ! Correu, deu um cangapé e  se escanchou nele. Ficou amocegada no tum-tum do desgraçado.  Ele enguiou, fez finca-pé, e jogou ela pra longe: sai pra lá, satanás dos seiscento !  Aí ela , com raiva, ficou remexendo as cadeiras pra lá e prá cá:  dava currupio, levantava a perna quera capaz de bater na cumieira,  se oferecendo toda pro zé mané. Achou pouco e  abriu os cambitos e se arreganhou todinha no chão. Era ver uma calunga de feira  toda desconjuntada . Calada tava, mas a gente entendia o quela remoía: “tu num quer não misera ? A terra há de comer ! Os outros frutinhas ficavam pra lá e pra cá,  sem fazer nenhuma diligença. Nem deu friagem neles ! Pois a putaria continuou por mais de duas horas, naquele tu quer-ou-num quer. De vez em quanto, parava tudo, descia um pano. Acho que eles iam lá pra trás pra fazer argum cumbinemo. Teve uma hora que voltaram tudo doidinho, correndo prum lado e pro outro. Parece que tinham ido no mato e limpado o fiofó com cansanção : um frivião da peste!  Outras horas, ficavam num cerca-lourenço infeliz, numa leseira danada como se tivessem tomado chá de jurema preta. Quando a empanada desceu pela terceira vez, o vaza-corrente tomou sustança nas canela e cobrou mais jeito de homem. Vai ver tomou lá por dentro algum chá de catuaba ou comeu amendoim! No finzinho, saíram os dois abraçados, até parece que ele tava gostando da fruta que passou o tempo todo arripunando. Agora, pruquê botaro o nome daquela presepada de “O Barreiro das Jacanãs”, eu num sei não ! Num mataram nenhuma ! Também num levaro nem soca-soca, nem badoque, nem baladeira ! Que caçada velha sem futuro !  Eu fiquei foi muito encafifada. Devem tá tudo é intanguido, tudo esquanbichado,   essa hora,  depois de tanto arreganhamento  e cangapé. Ô povo atroado e besta , nãnnnn !

Crato, 09/06/17  

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