As Festas Juninas
sempre fizeram o Nordeste brasileiro florir. Comparam-se à ressureição do nosso
semiárido com o advento das primeiras e benfazejas chuvas. Inconscientemente, estamos todos participando de rituais das
nossas antigas festas pagãs , como a
Saturnália e a Lupercália, quando comemoramos a fartura e alegria das
colheitas. Claro que uma festividade de tamanha exuberância necessita da sua trilha
sonora específica, aqui consubstanciada em mais de cem ritmos que se foram
miscigenando junto com nossas etnias. Como pensar em São João e São Pedro, sem
a sanfona de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca, Oswaldinho e Zé Calixto; sem o pandeiro do
Jackson; sem o triângulo, o zabumba; e sem
a voz rasgada de Bilinguim, Marinês e
Lindu ? Todos nordestinos se sentem um pouco descendentes deste mesmo DNA. Para
nós, sua musicalidade é tão importante
como o pé-de-moleque, a canjica , a fogueira, o rojão . Sem eles não existe
Festa Junina. Pois é bom lembrar que esta tradição está ameaçada.
As Bandas de
Forró Eletrônico, de há muito, vinham invadindo os arraiás. Impulsionadas pela
indústria cultural , trazendo consigo laivos de modernidade, passaram a
imprensar os tradicionais grupos musicais juninos. Agora, as grandes festas se
viram invadidas pelos Breganejos que se açambarcaram das festividades e
praticamente sufocaram o pouco espaço dos grupos de tradição. Polêmicas
estouraram , agressões de parte a parte. Os Sertanejos, montados em forte
indústria de entretenimento, junto com o Forró de Plástico, empurram seus shows
milionários, com forte apoio de um público já amestrado pela mídia tupiniquim.
O Forró de Tradição reclama da invasão e da não reciprocidade deles em outras
festas, de teor agropecuário, como a de Barretos em São Paulo. Causa-nos
espécie que São Joãos tradicionalíssimos como o de
Caruaru e Campina Grande tenham simplesmente acatado, sem maior discussão, a nova
tendência. Que treta se esconde por trás dessa realidade ?
Como a vida,
a arte é dinâmica. Não há como fossilizar uma cultura por sua tradição. O Forró
que Luiz Gonzaga fazia difere do que Petrúcio Amorim e Biliu de Campina hoje
executam. Há, no entanto, um fio que os une umbilicalmente, como se genes
tivessem passado de uma geração a outra, que filhos e netos, mesmo diferentes
dos seus avós, carregam consigo nesgas de um mesmo DNA. O que difere o
Breganejo e o Forró de Plástico dos seus ascendentes é a qualidade. Sua música
é primária, suas letras não têm poesia nem cheiro de Nordeste, perderam a
verve, a sutileza, a irreverência. Carregam mensagens pobres, com incentivo à violência,
à prostituição, ao alcoolismo. E mais : são obras feitas às pressas, sem nenhum
sentido de eternidade e que passarão, rapidamente, como um modismo imediato,
para consumo rápido e lombra de uma só noite.
Por trás dos
Breganejos e das Bandas de Forró existe toda uma indústria cultural que se mostra extremamente palatável aos
governantes. Os shows, caríssimos, são facilmente superfaturados, com joguete
de notas frias e reabastecimento , por baixo do pano, dos políticos que os
contratam. Como concorrer com um rolo compressor desta envergadura ? A nosso
ver, em nome da multiculturalidade, os Breganejos e Bandas de Forró Eletrônico
devem participar das nossas festividades, desde que não se empreguem as parcas
verbas públicas no seu financiamento. Com amplo amparo de publicidade de
bebidas, indústria fonográfica e afins, são perfeitamente independentes e não
carecem do parco dinheiro dos cofres estatais.
O São João do
Crato quis fugir desta realidade crua. Priorizou os grupos de raiz, com bandas
de swing profundamente caririense. A Secretaria de Cultura esmerou-se na
produção, dentro das terríveis limitações que sempre lhe são impostas. No
último dia, no entanto, fechando as comemoraç~eos do São João e do Dia do Município,
como por encanto, apareceu o Forró Real, com uma megaestrutura. Quem contratou
a Banda ? Seu Show foi pago com que recurso ? Se vivemos numa pindaíba danada,
com reclamações seguidas de falta de médicos e insumos nos postos de saúde,
como surgiu esta verba ? Esperamos que não tenha saído dos míseros bolsos da
população. Para uma cidade que, ano após ano, vai se tornando cada vez mais virtual,
parece-me um contrassenso comemorar seu aniversário com um Forró Real.
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