sexta-feira, 3 de maio de 2024

A Revolução e a Cidade Esquecidas

 


O ouvinte talvez nem imagine, mas o Crato, por uma semana, um dia,  tornou-se a mais importante cidade do interior do Brasil. Tudo isso aconteceu, num 03 de maio como hoje, há 207 anos atrás. Na época, a ainda pequena Fortaleza era apenas a capital do Ceará. Nossa cidade dividia com Icó e Aracati a realeza das vilas do estado. Naquele dia, o então diácono José Martiniano de Alencar, na Sé Catedral, proclamou a Independência e a República brasileiras, exatamente quatro anos antes do Grito do Ipiranga e setenta e dois anos antes de Deodoro. Era uma extensão da chamada Revolução Pernambucana que conflagrou além do Ceará e Pernambuco, a Paraíba e o Rio Grande do Norte, com deposição dos governos locais, numa revolta até então jamais vista nesta proporção. O sonho, no Cariri, durou apenas oito dias, com a prisão dos principais comandantes, entre eles a primeira presa política brasileira, hoje uma Heroína da nação, Bárbara de Alencar. Ela viveu por quatro anos prisioneira em condições sub-humanas. Quatorze líderes foram fuzilados ou enforcados e mais de uma centena mortos em campo de batalha. Apesar de tudo, o sonho revolucionário apenas hibernou, do Crato partiriam forças compostas daqueles revolucionários  para , em 1823, levar a Independência do Brasil para o Piauí e o Maranhão  e , em 1824, deflagrariam a Confederação do Equador que, este ano, comemora seu bicentenário.  Entre 1817 e 1824, o Crato brilharia como  uma das mais importantes e visionárias cidades do Brasil, uma nova Vila Rica.

                   Boa parte dos caririenses, certamente, nunca ouviu falar desta história. Poucos sabem quem foram José Martiniano de Alencar, Tristão Gonçalves, Bárbara. As Revoluções de 1817 ( que, por isso mesmo é conhecida como a Revolução Esquecida)  e 1824 ocupam, em geral, apenas pequenas páginas de livros de História Oficial. A Inconfidência Mineira que, apesar do seu pioneirismo, não passou de uma conspiração de gabinete e só teve uma morte, a do mais humilde do grupo, Tiradentes, tem uma relevância estrondosa. Bárbara, a primeira presa política do país, teve seu nome eternamente detratado, inclusive por membros de sua própria família.  Por que tamanha disparidade?   

                   Sempre é bom lembrar que esses apagamentos não acontecem por mero acaso. A Inconfidência era independentista e foi incensada pela Monarquia que duraria ainda quase um século. 1817 e 1824 tinham junto um sonho republicano e, assim, viu-se colocada no sótão da História nas mais de sete décadas que se seguiram. Por outro lado, elas aconteceram no Nordeste do Brasil, o patinho feio dos cânones históricos, longe da caixa de ressonância do Sudeste do país, então já em escalada econômica com a mineração. Bárbara pagou a conta do protagonismo feminino numa sociedade intensamente patriarcal. No Sul Cearense, então, uma sociedade de viés feudal ( apesar de 1817 e 1824 passam  longe de  revoluções populares), o Conservadorismo predominou sempre  pelo temor de subversão da ordem estabelecida.

                   O grande problema, porém, é que não apenas 1817 e 1824 são Revoluções Esquecidas. O Crato, hoje, é também uma cidade que se contaminou com o esquecimento. Tínhamos uma Praça 3 de Maio que se trocou para o nome de um político que passou por aqui em campanha: Juarez Távora. A Casa de Bárbara foi destruída e sua imagem amarrotada por uma estátua horrorosa;  Tristão e José Martiniano foram degredados pela História da região;  Pinto Madeira, o contrarrevolucionário, -- pasmem ! --  nomina todo um Bairro  e uma grande avenida que une o Crato à aristocrática Barbalha. A Cidade de Frei Carlos , por fim, joga no lixo o pouco que havia da sua memória esfacelando o Museu J. de Figueiredo Filho cujo acervo foi jogado no antigo Museu de Fósseis. Fóssil !  Fóssil ! Isso é quase uma profecia!

                   O 3 de Maio desse ano é um momento para se refletir sobre a glória do passado da nossa cidade. De uma época em que lutávamos pela grandeza  do país. Hoje sequer conseguimos batalhar por nós mesmos, somos , como  as revoluções passadas, apenas esquecimento.

Crato, 03/05/24

                  

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