sexta-feira, 10 de maio de 2024

Mãe

 


                Meus irmãos  sempre se queixaram que minha mãe, entre os três filhos,  tinha uma preferência especial por mim. Nunca constatei a veracidade dessa denúncia, sempre tão frequente nas famílias menores. Quando a filharada é de viés nordestino, mais semelhante a um batalhão, esta infuca parece menos perceptível. Se assim aconteceu, talvez se devesse ao fato de eu ser o primogênito e de, também, ter sido aquele a ter demandado mais cuidados na infância:  hiperativo, “malino”, incontrolável mesmo com as mais fenomenais surras, ainda precisei de tratamento cirúrgico em Recife e Bahia por conta de uma poliomielite que me deixou meio saci. Dr. Fernando Filgueiras, um cirurgião geral de Salvador fez-se meu anjo protetor e pôs o menino a correr, novamente com os dois pés e ganhar o mundo. Talvez tenha vindo de Dr. Fernando a inspiração para seguir, depois, o mesmo caminho. Ganho o salvo conduto, esqueci, completamente, a vida de saci, mas não a capacidade de realizar as mesmas travessuras. Só algumas semanas atrás, um político local, também médico, numa crítica a minha pessoa, por atuação no campo cultural, me lembrou que sou portador de deficiência. Chamou-me, publicamente, de “aleijado”. D. Hélder ensinava que ao receber críticas era necessário prestar atenção de onde vinham, dependendo da fonte poderia ser um elogio. Tenho que agradecer ao político  pela lembrança e , também, pela descoberta de que existem muitos outros tipos de deficiência a escolher no cardápio das nossas relações humanas, entre elas ( a política que o diga !)  aquelas ligados ao caráter.  

                        A minha hiperatividade, numa época em que pouco se entendia deste transtorno infantil, criou, ao meu redor, toda uma narrativa, entre elas a de que eu era meio maluco. Isso nunca me transtornou. Minha mãe, no entanto, como empedernida guardiã da ninhada,  partia para cima das insinuações, como uma galinha choca. Depois, já formado, quando aqueles críticos por acaso precisavam dos meus cuidados, ela não tinha nenhum pejo em passar na cara: “Você agora tá precisando do doidim, é ? ” Talvez essa necessidade de tantos desvelos tenha levado a ciumeira dos meus irmãos Vicente e Luciano.

                        Lembrei-me de D. Ninette  quando se aproxima o Dia das Mães. Este dia que vai ficando cada ano mais triste e pesado quando já nem todos respondem à chamada nas nossas datas festivas. Perdi minha advogada há doze anos. E sei que mãe é uma peça insubstituível na vida de qualquer um de nós. Aquela , para quem, temos presunção eterna de inocência e um habeas corpus previamente assinado para todos os delitos que iremos cometer ao longo do caminho. Pais, somos apenas atores coadjuvantes na trajetória dos rebentos. Os Oscares de atriz e ator principal , direção, iluminação, efeitos especiais vão sempre para as mães.  

                         D. Ninette foi professora em escola pública, onde ampliou, em muito, sua filharada. Era amorosa e dedicada, mas criou seus três filhos sem muitos arreios. Acreditava que sua missão deveria se ater em mostrar o sentido e a direção da estrada, mas  caberia a cada um abrir a picada no meio da floresta. Com meu pai, também professor, levou uma vida simples e humilde, mas transparecia alegria e felicidade, apesar das pedras que teve que desviar na sua caminhada.

                        Prometo não entristecer no almoço do próximo domingo, mãe. Sua falta, em mim, é uma ausência povoada. Perdi minha advogada, minhas falhas já não gozam da anistia plena que sempre tiveram contigo nos julgamentos. Mas sei que você está aqui pertinho, presente na minha casmurrice, na elegância da minha filha, no sorriso da minha neta, no humor fino do teu bisneto. Há um pedacinho de você espalhado em cada um da nossa família. Quando , no almoço do domingo, todos se juntarem na mesa larga da sala, você ali estará por inteiro, inclusive o seu saci de duas pernas,  que continuou, mundo afora, espalhando doçuras e travessuras. Bem vinda, mãe !

Crato, 10/05/2024

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