“obedecer cegamente deixa cego
crescemos somente na ousadia
só quando transgrido alguma ordem
o futuro se torna respirável”
Mário Benedetti
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I Can’t Breathe ! ( Eu não posso respirar!)
O
tratamento que recebeu não lhe era desconhecido. Nascera no Texas, no Sul,
antro da discriminação racial mais sórdida dos Estados Unidos. Tinha uma
convivência íntima com o racismo nas suas mais amplas formas. O homicídio ,
filmado por transeuntes, espalhou-se como rastilho de pólvora. De repente, os
EUA se viram conflagrados por manifestações e quebra-quebras nas suas mais
sinistras formas. Isso em plena pandemia do Coronavírus, desobedecendo a todas
as determinações de isolamento social. Os protestos se espalhariam, depois,
mundo afora e envolveriam não só os movimentos negros, mas pessoas das mais
diversas etnias, irmanados numa causa única.
Desde 1968, não se via tamanha
fúria. Chegaram até a sojigar o presidente Trump, na Casa Branca, que precisou,
preventivamente, ser escondido em um bunker. E o : “Eu não posso Respirar !” , tornou-se um
grito tribal.
A
súplica de Floyd bateu forte no inconsciente coletivo, quando vivemos tempos
tão pouco oxigenados. Presas , claustrofóbicas , mascaradas , pessoas na
vastidão do planeta, buscam o ar que lhes parece faltar. Nas UTI´s , espalhadas
por múltiplos países, pacientes bradam a toda hora, sem respiradores
disponíveis, o grito de Floyd: “Eu não posso respirar!” Os animais da Amazônia e os índios , nas queimadas incontáveis, agora
estatais e oficializadas, suplicam, em meio à fumaça: “Eu não posso respirar!”.
No Brasil, em meio à Teo-freno-clepto-agro-casernocracia, onde os mínimos valores de
humanidade passam a ser espúrios, quando
a morte no atacado, a dor , o luto beiram o asco da normalidade, buscamos o fôlego como asmáticos em crise : “Eu
não posso Respirar!” Nas favelas, nos grotões esquecidos da nação, famílias
desamparadas, amontoadas, famintas, sem renda, sem saneamento mínimo, expostas
a todos os riscos de pestes, tentam abrir as janelas dos casebres: “Elas não
podem respirar!” Os profissionais de saúde, cativos nas suas máscaras e EPI´s, buscam
o fôlego a todo custo, sem poder encher o peito de oxigênio. Até mesmo nosso
planeta, em meio à emissão catastrófica de gás carbônico, se pudesse,
esbravejaria lá de cima: “Eu não posso respirar!”
Talvez,
por isso mesmo, o brado tribal de Floyd ganhou caixa de ressonância na
população. Quando o mundo saiu à rua para os protestos, o fazia, sim, em nome
de Floyd e do seu assassinato indecoroso, mas, no íntimo, todos carregam
consigo, também, sua falta de ar, a asma destes tempos tão sombrios e
tenebrosos. Freud explica um pouco Floyd. O sufocamento nos ensina lições de
oxigenação e da luta por tempos mais generosos, altruísticos e respiráveis.
Crato, 05/06/20
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