terça-feira, 16 de julho de 2019

Casa em ruínas, paredes caiadas


Os tempos não haviam sido tão pródigos para Catarina. Nascera, é certo,  em berço  prateado. É que não existe ouro suficiente  para dourá-lo nuns cafundós do judas como aquele em que vivia.  Alencarzão, o pai , um pródigo comerciante,  dono de Armarinho, naquelas brenhas, a cobrira de regalos desde pitototinha. Nunca lhe faltaram as peças mais chiques no seu vestuário, geralmente puxadas para os tons verdes, que era a cor favorita da nossa menininha.  O certo é que os anos escorreram e os namorados de Catarina se foram sucedendo. De início, os maiores partidos da região aceraram a mocinha elegante. Faziam juras de amor, apaixonavam-se, às vezes , perdidamente. Chegou ainda a juntar os seus  vestidos de linho com as calças de casimira  de uns três ou quatro pretendentes.  Viviam bem uns quatro ou cinco anos, eles a cobriam de joias e das mais finas estampas, mas, de repente, passava o encanto e sumiam,  como o Queiroz pro seu laranjal.

                            Este ata-desata fez com que o tempo se fosse escoando, pouco a pouco, na ampulheta da vida. Os anos carregaram consigo o encanto e frescor da nossa Catarina e, também, as posses e bens do seu pai. A queda livre da beleza e do dote afastou, como por encanto, os rapazes mais apaixonados e mais afoitos. Começaram a aparecer os enamorados fracos de feição, feitos cafinfim com epilepsia,  e , também, alguns até  jovens e viris , mas ávidos em dilapidar o resto que sobrara do baú de Alencarão. O velho, então, um ex-estribado, resolveu de forma pragmática  o investimento na filha querida. Capitalizava-se durante o ano, esperava a época da Expocrato, então, providenciava uma pequena plástica para os ajustes e repuxos inevitáveis no rolar da quilometragem,      cobria-a com os vestidos mais caros e mais bonitos, engalanava-a com bijuterias mais resplandecentes, tendentes ao dourado, a cor preferida do perual e rebocava-a com uma maquiagem cada ano mais pesada, dessas de fazer inveja a Arrelia e ao  Carequinha . Todo ano era aquela receita infalível, claro que com os acréscimos imprescindíveis trazidos pelo cair da folhinha do calendário da sala de jantar.
                            Este ano, Catarina estará de novo resplandecente. Vestido novo, maquiagem refeita, restauro plástico em dia. Sabe que não competirá com outras moças mais ricas, mais jovens, mais belas. Muitas que foram tratadas a leite condensado e farinha láctea pelos familiares. Mas engabelará  os  tolos. Passada a festa , desfeito o encanto, voltará , novamente ao borralho, aos trapos e ao grude. Mas poderá, novamente, conseguir o objetivo que se repete em moto-contínuo: arranjará um mocinho faceiro, metido em gomalina, de fala bonita e envolvente, prometendo amor eterno,   e se enrabichará por ele por mais uns quatro anos, até descobrir que o restinho do dote acabou sendo dilapidado em balcão de bar e mesa de baralho.

Crato, 05/07/2019

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