Os tempos
não haviam sido tão pródigos para Catarina. Nascera, é certo, em berço
prateado. É que não existe ouro suficiente para dourá-lo nuns cafundós do judas como
aquele em que vivia. Alencarzão, o pai ,
um pródigo comerciante, dono de
Armarinho, naquelas brenhas, a cobrira de regalos desde pitototinha. Nunca lhe
faltaram as peças mais chiques no seu vestuário, geralmente puxadas para os
tons verdes, que era a cor favorita da nossa menininha. O certo é que os anos escorreram e os
namorados de Catarina se foram sucedendo. De início, os maiores partidos da
região aceraram a mocinha elegante. Faziam juras de amor, apaixonavam-se, às
vezes , perdidamente. Chegou ainda a juntar os seus vestidos de linho com as calças de
casimira de uns três ou quatro
pretendentes. Viviam bem uns quatro ou
cinco anos, eles a cobriam de joias e das mais finas estampas, mas, de repente,
passava o encanto e sumiam, como o
Queiroz pro seu laranjal.
Este ata-desata fez
com que o tempo se fosse escoando, pouco a pouco, na ampulheta da vida. Os anos
carregaram consigo o encanto e frescor da nossa Catarina e, também, as posses e
bens do seu pai. A queda livre da beleza e do dote afastou, como por encanto,
os rapazes mais apaixonados e mais afoitos. Começaram a aparecer os enamorados
fracos de feição, feitos cafinfim com epilepsia, e , também, alguns até jovens e viris , mas ávidos em dilapidar o
resto que sobrara do baú de Alencarão. O velho, então, um ex-estribado,
resolveu de forma pragmática o
investimento na filha querida. Capitalizava-se durante o ano, esperava a época
da Expocrato, então, providenciava uma pequena plástica para os ajustes e
repuxos inevitáveis no rolar da quilometragem, cobria-a com os vestidos mais caros e mais
bonitos, engalanava-a com bijuterias mais resplandecentes, tendentes ao dourado,
a cor preferida do perual e rebocava-a com uma maquiagem cada ano mais pesada,
dessas de fazer inveja a Arrelia e ao Carequinha . Todo ano era aquela receita
infalível, claro que com os acréscimos imprescindíveis trazidos pelo cair da
folhinha do calendário da sala de jantar.
Este ano, Catarina
estará de novo resplandecente. Vestido novo, maquiagem refeita, restauro
plástico em dia. Sabe que não competirá com outras moças mais ricas, mais
jovens, mais belas. Muitas que foram tratadas a leite condensado e farinha
láctea pelos familiares. Mas engabelará
os tolos. Passada a festa ,
desfeito o encanto, voltará , novamente ao borralho, aos trapos e ao grude. Mas
poderá, novamente, conseguir o objetivo que se repete em moto-contínuo:
arranjará um mocinho faceiro, metido em gomalina, de fala bonita e envolvente,
prometendo amor eterno, e se
enrabichará por ele por mais uns quatro anos, até descobrir que o restinho do dote
acabou sendo dilapidado em balcão de bar e mesa de baralho.
Crato, 05/07/2019
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