Pois é ,
amigos ! A cidade está em festa, botou vestido de domingo, carregou nas
essências , abriu as cortinas e escancarou
as janelas. Visitantes se acotovelam pelas esquinas, como se procurassem alguma
coisa que perderam em anos passados. Cratenses, radicados em outras paragens,
aproveitam o friozinho de julho e a
tradição da Expocrato para retornarem à terrinha, rever os amigos e perambular
por entre as barracas e as quitandas. Antes que reclamem e se entristeçam com
as mudanças na paisagem da sua infância, alegram-se com o novo parque e com a
tradição de uma festividade que já tirou a carteirinha de idoso e não paga mais
estacionamento. Pelo menos ela, né ?
A festa está
aí viva, pronta a confrontar seus críticos mais ferrenhos. Alargou seus
horizontes de entretenimento e encurtou sua vocação primal de agronegócio.
Perambulando pelas estreitas vias do parque restaurado, sentimo-nos um pouco
angustiados e meio claustrofóbicos . O antigo parecia mais amplo , talvez pelo
menor número de estandes e barracas, talvez porque olhávamo-lo com a
retinas de criança , antes que a vida e o tempo estreitassem nossos
horizontes. Uma enorme estrutura profissional toma toda a área de shows pronta
a receber uma multidão de fãs a cada noite. As antigas gerações não suportam a
barulheira e o aparente mal gosto daquilo que agora chamam de música. Seus
filhos e netos curtem, como já um dia os
pais e avós saracotearam ao som do Iê-Iê-Iê e do Twist. A roda da vida não
para. Os parquinhos, que antes faziam as nossas delícias , hoje encantam nossos
rebentos e secam nossas carteiras. O rolete de cana, o quebra-queixo, o sanduba
de Enoque, o filhós do Seminário, a garapa e o pão doce, antes regalo de
grã-finos, escondem-se pelos cantos pouco badalados do parque, meio desconfiados e
tímidos , como um vestido fora de moda
que se guarda no fundo da gaveta. As ruas estão enfeitadas com banners de
folguedos populares: Jaraguás, maneiros pau, bandas cabaçais, pifeiros, Mateus,
aqueles que , entende-se, consubstanciam o espírito caririense. Lá dentro, no
entanto, estes grupos populares,
como Reisados e Anicetos , apresentam-se
não como atração principal, mas como um mero exotismo, uma espécie de
fóssil do Geopark . Parece que uma nave espacial desceu ali por perto e deixou
escapar aqueles seres alienígenas,
tentando um impossível contato
imediato do terceiro grau com os carirrienses.
As coisas que
nos eram mais caras, agora são caríssimas no sentido mais pragmático da
palavra. Cabra rapa de sola, sovina, mão-de-vaca desmaia ao saber do preço do estacionamento
e, pior, se pedir água para tornar da pitingula, enfarta ,imediatamente, ao descobrir
quanto custa a garrafinha. Um amigo nosso caiu na besteira de queixar-se
de um redemoinho que lhe jogou terra nos olhos, perto de uma barraca:
-- Vixe, caiu um
argueiro no meu olho ! -- gritou ele !
Num minuto o garçon lhe pôs a bandeja no seu braço e gritou:
--- Pronto ! Taqui o
seu pedido! Carneiro ao Molho ! Duzentos reais !
O antigo Inferninho viu-se promovido a purgatório, mas perdeu um
pouco seu glamour. Já não se fazem pecados e expiações como antigamente ! No
cemitério defronte, nossos antepassados contorcem-se nos túmulos revoltados, pois lhes haviam desejado
descanso eterno. O palco da alegria e o palco do pó estão no mesmo teatro desta
existência.
Daqui um pouquinho, a
balbúrdia e o frisson se aquietarão. O parque hibernará por mais um ano:
fechará as portas e tentará se manter impermeável à cidade ao seu derredor.
Agora, do topo das barrancas do Alto da
Penha, em vista privilegiada, num Camarote Super-Premium, pobres , em barracas
improvisadas, assistem a tudo
gratuitamente. Curtem a festa, que não era pra seu bico, como bacanas. Ao menos uma vez , nesta vida,
se sentirão superiores e soberanos, num mundo que não foi projetado para eles.
Observando o inferno lá embaixo, degustarão o céu que lhes sobrou e se sentirão
mais angelicais e mais perto de Deus.
Crato, 20/07/19
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