A descoberta
causou sensação em Matozinho e passou a fazer parte do jornalismo oral da
cidade, por muitas e muitas semanas. Afeita à exiguidade de notícias mais
pomposas, aquela era um prato feito para alimentar a sempre insaciável
curiosidade dos matozenses. O prefeito Sinderval Bandeira mandara alargar a rua
principal da cidade que se estendia desde a praça da matriz até às proximidades
da prefeitura. Ainda carroçável, pretendia nosso edil torná-la um pouco mais
larga e revesti-la com paralelepípedos. Já tinha até fixado , previamente, a
placa no nova comemorativa: “Futura
Highhway Pedro Cangati” e logo abaixo : Prazo de entrega : 180 dias, Orçamento : 3,75 Milhões de Reais. As obras começaram em ritmo
de valsa quando, por fim, aconteceu a mais vultosa descoberta do século em
Matozinho. Ao escavacar próximo da matriz, de repente, abriu-se uma cratera
abaixo do nível da rua e terminaram por encontrar uma gruta, feita de pedras,
meticulosamente assentadas. Devia ter mais ou menos uns dez metros de extensão,
finalizava com uma espécie de cripta, onde estava exposta, num tipo de altar,
uma escultura em pedra tosca, que representava uma figura estranha, de uma
metro de altura, gorda como um Buda e com um falus enorme, parecido com uma
escultura inca. Adiante do altar existia uma bancada também em pedra , um pouco
mais baixa que o esperado e, adiante,
mundurus que sugeriam bancos para uma clientela assistente. A notícia correu
como fogos de artifícios em dia de renovação e tornou-se a nova sensação da
vila. Professores foram imediatamente convocados para dar um parecer sobre a
última descoberta arqueológica em Matozinho. Os pareceres oficiais não batiam.
Alguns sugeriram que se tratava de um templo de sacrifícios dos antigos índios
capebas que por ali viviam, antes do início da colonização. Outros foram da
opinião que a gruta teria sido feita como refúgio de algumas famílias na época
do cangaço. Técnicos convocados da
capital , após acurados estudos, dataram a obra de mais ou menos noventa anos
atrás, que coincidia com o início da formação da vila e o soerguimento da
Igreja de N. S. dos Desafogados de Matozinho, acreditavam que era um possível
esconderijo de soldados quando das batalhas ferozes contra os índios Capebas.
Os
matozenses todos tinham versões mais
heroicas e épicas sobre a descoberta. Contavam que a gruta havia sido escavada
para abrigar Frei Caneca quando da sua escapada de Pernambuco para o Ceará
quando houve a derrocada da Confederação do Equador. Ali teria permanecido por
uma semana e se não tivesse feito a besteira de colocar a cabeça fora do buraco
ainda poderia por ali está vivendo e a história do Brasil poderia ser outra. A
figura fálica pagã teria, possivelmente, ter sido colocada em época posterior
As obras da
avenida continuaram, pensou-se em fazer um memorial para visitação no local da
gruta. Dias depois, no entanto, o prefeito Sinderval Bandeira mandou, estranhamente, soterrarem a descoberta e continuarem os
trabalhos da avenida. Comentava-se que teria acatado um pedido do bispo
diocesano. Comentava-se na cidade que os arqueólogos da capital, escarafunchando o buraco de
Sinderval, tinham encontrado um túnel que o ligava à catedral. Sob o pretenso
altar deram com duas ossadas de recém nascidos e, enterradas, junto à bancada
que agora viram parecer com uma cama, uma batina e uma ceroula que tinham gravados o nome do
Padre Gumercindo . Deram ainda, juntos,
com uma anágua e uma calçola
identificados com um nome bordado: Hortelina da Madre Deus. Ainda hoje não se
sabe bem o que estas indumentárias faziam por lá. Gumercindo havia sido o
primeiro pároco da vila de Matozinho e D. Hortelina, pelo que se conta, era a
chefe da Ordem Terceira do Carmo, a primeira a gloriosamente chegar àquelas
paragens.
Crato, 23/06/2018
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