sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Uma questão de classe




                        A tolerância é a melhor das religiões.
                                                                                            Victor Hugo

                                               Vivemos , nos últimos meses, sombrios tempos, tintos de intolerância. Cidadãos, que se querem respeitáveis,  saem à rua pedindo o fim da democracia e a intervenção militar. Manifestantes gritam o nome de  político de extrema direita, defensor declarado da pena de morte sem julgamento, da homofobia, da violência contra a mulher, plataforma que , nas pesquisas, contempla mais de 15% do eleitorado. Igrejas de viés pentecostal  tomam de assalto templos de religiões de raiz afro e os destroem, depois de agredir sacerdotes. Na rua , vozes gritam contra o aborto, ao mesmo tempo que -- vá lá entender ! --  pedem a instituição da pena de morte, num país em que a justiça está nas esquinas fazendo trottoir. As Redes Sociais, dia após dia, se vêm repletas de agressões e racismo puros contra nordestinos, negros e os que não tiveram o mérito suficiente para achacar os cofres públicos. Escritora de renome internacional é agredida selvagemente ao vir discutir , no país, questões de Gênero. Obras de arte são vilipendiadas sob a alegativa de imoralidade. Louvam muitos a volta do trabalho escravo, do trabalho infantil, da cassação dos direitos trabalhistas, da aposentadoria a se perder de vista. Direitistas cospem fogo pedindo diminuição da maioridade penal como solução salvadora para a violência urbana.
                            Neste retorno às trevas, algo atônitos, não conseguimos entender esta guinada aparentemente repentina rumo à selva. Onde estavam todos esses intolerantes dois anos atrás? Escondiam-se em catacumbas ? Reuniam-se em cavernas ? Hibernavam à espera de tempos propícios? Por incrível que possa parecer, eles simplesmente circulavam por entre todos os outros mortais, travestiam-se de avançados  e modernos, metamorfoseavam-se por trás de discursos algo dúbios, mas com laivos de compreensão e benevolência, ajoelhavam-se piedosamente nos templos e oravam pela paz mundial. Aguardavam o momento da emboscada, a degola da democracia, quando de conspiradores passaram, imediatamente, a opressores e, munidos de impunidade política e jurídica, invadem as ruas e vielas perpetrando toda espécie de atrocidades. Atropelado o Estado de Direito, cada um passa a ter a desfaçatez de criar suas próprias leis e executar suas sumárias penas. Havia mais  legalidade e ordem nos tempos de Hamurabi.
                            Interessante é que a intolerância da Casa Grande  é extremamente seletiva. Tolera-se a corrupção desenfreada que enlameia todas as esferas dos três poderes. Permite-se, sem um pio, que um presidente compre, com dinheiro público, abertamente, todo o Congresso para que não seja sequer  investigado. Baixa-se a cabeça, contritamente, para o vilipêndio do corte absurdo de direitos trabalhistas; do estrupo das regras de aposentadoria; da dispensa gigantesca de dívidas tributárias de bancos, do agronegócio, de grandes empresas brasileiras. A mesma turma elitizada que se horroriza com o nu na obra de arte, admira a venda, em promoção, de todo patrimônio público brasileiro, num queima de proporções planetárias.
                            O avião, sem as duas asas, despressurizado, está caindo vertiginosamente. As madamas, na Classe Executiva, no entanto, implicam com alguns pés rapados da Classe Econômica, enquanto chacoalham suas joias.  Que se dane a companhia aérea, elas perfumadas e chiques não têm nada a ver com o acidente! O avião, simplesmente, não lhes pertence! Vai ver que foram os esfomeados, da farinhada, que deram azar ! Que se lasquem ! A culpa é deles !

Crato, 17/11/17
                               

                                    

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