A
tolerância é a melhor das religiões.
Vivemos ,
nos últimos meses, sombrios tempos, tintos de intolerância. Cidadãos, que se
querem respeitáveis, saem à rua pedindo
o fim da democracia e a intervenção militar. Manifestantes gritam o nome
de político de extrema direita, defensor
declarado da pena de morte sem julgamento, da homofobia, da violência contra a
mulher, plataforma que , nas pesquisas, contempla mais de 15% do eleitorado.
Igrejas de viés pentecostal tomam de
assalto templos de religiões de raiz afro e os destroem, depois de agredir
sacerdotes. Na rua , vozes gritam contra o aborto, ao mesmo tempo que -- vá lá
entender ! -- pedem a instituição da
pena de morte, num país em que a justiça está nas esquinas fazendo trottoir. As
Redes Sociais, dia após dia, se vêm repletas de agressões e racismo puros
contra nordestinos, negros e os que não tiveram o mérito suficiente para
achacar os cofres públicos. Escritora de renome internacional é agredida
selvagemente ao vir discutir , no país, questões de Gênero. Obras de arte são
vilipendiadas sob a alegativa de imoralidade. Louvam muitos a volta do trabalho
escravo, do trabalho infantil, da cassação dos direitos trabalhistas, da
aposentadoria a se perder de vista. Direitistas cospem fogo pedindo diminuição
da maioridade penal como solução salvadora para a violência urbana.
Neste
retorno às trevas, algo atônitos, não conseguimos entender esta guinada
aparentemente repentina rumo à selva. Onde estavam todos esses intolerantes
dois anos atrás? Escondiam-se em catacumbas ? Reuniam-se em cavernas ?
Hibernavam à espera de tempos propícios? Por incrível que possa parecer, eles
simplesmente circulavam por entre todos os outros mortais, travestiam-se de
avançados e modernos, metamorfoseavam-se
por trás de discursos algo dúbios, mas com laivos de compreensão e
benevolência, ajoelhavam-se piedosamente nos templos e oravam pela paz mundial.
Aguardavam o momento da emboscada, a degola da democracia, quando de
conspiradores passaram, imediatamente, a opressores e, munidos de impunidade
política e jurídica, invadem as ruas e vielas perpetrando toda espécie de
atrocidades. Atropelado o Estado de Direito, cada um passa a ter a desfaçatez
de criar suas próprias leis e executar suas sumárias penas. Havia mais legalidade e ordem nos tempos de Hamurabi.
Interessante
é que a intolerância da Casa Grande é
extremamente seletiva. Tolera-se a corrupção desenfreada que enlameia todas as
esferas dos três poderes. Permite-se, sem um pio, que um presidente compre, com
dinheiro público, abertamente, todo o Congresso para que não seja sequer investigado. Baixa-se a cabeça, contritamente,
para o vilipêndio do corte absurdo de direitos trabalhistas; do estrupo das
regras de aposentadoria; da dispensa gigantesca de dívidas tributárias de
bancos, do agronegócio, de grandes empresas brasileiras. A mesma turma
elitizada que se horroriza com o nu na obra de arte, admira a venda, em
promoção, de todo patrimônio público brasileiro, num queima de proporções
planetárias.
O
avião, sem as duas asas, despressurizado, está caindo vertiginosamente. As
madamas, na Classe Executiva, no entanto, implicam com alguns pés rapados da
Classe Econômica, enquanto chacoalham suas joias. Que se dane a companhia aérea, elas perfumadas
e chiques não têm nada a ver com o acidente! O avião, simplesmente, não lhes
pertence! Vai ver que foram os esfomeados, da farinhada, que deram azar ! Que
se lasquem ! A culpa é deles !
Crato, 17/11/17
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