sábado, 11 de novembro de 2017

Cospe-Brasa




                                Matozinho vivia dias difíceis , os matozenses andavam mais apertados que pobre em final de mês. O começo da tragédia tinha começado com a morte inesperada de do prefeito “Ursulino do Caixete” , um boticário do município, numa capotagem de carro na ladeira da Serra da Jurumenha. O grande problema é que os sucessores naturais : Petronildo  Carimbó, o seu vice;   e o presidente da Câmara, “Cricri do Rolo”, pereceram no mesmo acidente. Vinham de uma reunião política, em Serrinha, segundo a versão oficial  e de uma provável  pescaria, com garotas de programa arrebanhadas na capital, segundo o afiadíssima língua do povo. O certo é que Matozinho,  que já vivia acéfala há muito e muito tempo, teve suas condições pioradas ( ninguém imaginou que desgraça, como surrão, não tem fundo!) e que o péssimo que se está vivenciando tem sempre a possibilidade de piorar ainda. Simplesmente, não ficou ninguém na linha de sucessão: não existia juiz na época em Matozinho. O esperado era que novas eleições fossem convocadas. Após o funeral, no entanto, a oposição arrebanhou correligionários rapidamente e, na Câmara,  decidiu, às caladas da noite, que Asfilófilo Currimboque, deveria assumir um mandato tampão, completando o  do seu antecessor. Ele  era um arrivista, chegara na cidade há alguns anos e ali vivia como mascate, vendendo quinquilharias de porta em porta. Como diabos pôde nosso contrabandista ser alçado ao cume do poder ? A grande questão é que por trás de  Asfilófilo existia toda uma voraz classe política pronta a açambarcar as verbas municipais  e o nosso muambeiro fazia-se a pessoa mais que perfeita para essa plataforma de governo: não possuía escrúpulos maiores, entendia todas as manobras imagináveis das falcatruas , das sonegações , das trapaças e ilusionismos  e, com espírito nômade, na hora do pega para capar, anoiteceria e não amanheceria em Matozinho.
                                               Asfilófilo assumiu a prefeitura   e seguiu o roteiro predeterminado. Demitiu em massa funcionários e colocou no lugar seus apaniguados. Dizia-se que , em Matozinho, quem não fosse currimboque não fazia faísca. Passou a cobrar impostos extorsivos  dos pequenos  ambulantes da cidade e a dispensar os impostos dos grandes fazendeiros e comerciantes. Sabendo-se político de um só mandato,  caiu , sem quaisquer escrúpulos, em cima das verbas municipais, distribuindo-as , abertamente, com todos aqueles que o ajudaram na subida.  Ademais, com o aval da Câmara, passou a vender todo o patrimônio de Matozinho : prédios, casas, terrenos, escolas, postos de saúde, sob a alegação de quem eram dispendiosos e  não tinham função. Algumas pessoas mais esclarecidas recorreram juridicamente dessas decisões a desembargadores da capital. O processo porém não andou e percebeu-se que Asfilófilo , esperto, deveria estar molhando a mão de alguns figurões de beca. Incrivelmente, os matozenses permaneceram quietos diante do estupro, as únicas reações aconteciam através da língua de peixeira amolada do povaréu,  nas Redes Sociais do interior : a praça e as janelas.
                                               Próximo ao fim do mandato, Asfilófilo , já sem opções, usou seus últimos cartuchos : pôs  à venda o prédio da Prefeitura e da Câmara Municipal, segundo ele decrépitos demais e com risco de ruírem. Prometeu que construiria, com o arrecadado, um Centro Administrativo. Estava a seis meses do fim do seu mandato ou pilhagem. Como conseguiria com o tempo tão curto que lhe restava?  Naquele momento abrira-se, já,  o processo eleitoral na cidade. Os cúmplices de Asfilófilo, aos poucos,  se vão afastando dele, Temendo contaminarem-se com sua popularidade em subsolo. Os antigos correligionários de Ursulino arregimentam-se para tomar de volta as rédeas do poder, apresentaram um candidato popularíssimo , o velho Capistrano, já eleito anteriormente e afinadíssimo com os mais pobres e humildes. Do outro lado, os que se beneficiaram com o governo pirata de Asfilófilo já apontaram seu candidato: um velho cabo da polícia de Matozinho, chamado Aderaldo Cospe-Brasa.  Metido a brabo, zuadento, tido por justiceiro,  tinha fama de fazer desaparecerem supostos bandidos,  em passeios turísticos pelas bibocas de Bertioga. Vivia a urrar nos bares e nas praças que cadeia para bandido tinha que ter pelo menos sete palmos; que cura para viadagem era peia no lombo; que lugar de mulher é na cozinha ou na cama e que a desgraça do Brasil aconteceu quando a tal da Princesa Isabel ( só podia ser uma mulher mesmo !) botou na cabeça oca que preto é gente e não macaco.  Tem uma récua de partidários o Aderaldo, acreditam que para resolver a bandalheira deixada por Asfilófilo, só mesmo um mão-de-ferro. Ficam irritados quando alguém lembra que eles, definitivamente, não são bons de escolha nem de memória: teriam sido os principais atores da tragédia chamada: Asfilófilo Currimboque.
                                               Semana passada,  apareceu um escândalo na cidade: descobriu-se que “Cospe-Brasa” , quando na ativa, vivia chantageando os organizadores do jogo do bicho e recebendo propina para manter os olhos fechados. D. Vitalina, uma língua de veludo de Matozinho, jura de pés juntos que às vezes Aderaldo não Cospe-Brasa, e lembra que ele viveu,  maritalmente  , num longo romance com uma Rainha Negra do “Maracatu Estrela Cadente” que se chamava , nos folguedos, Marivalda. Na vida real, no entanto, a rainha, não tinha nada a Temer : tirado os adereços,  trabalhava como vaqueira e atendia pelo  nome de Valdemar. Afe !


Crato, 10/11/17

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