sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Os filhos do filhós


A cultura não se herda, conquista-se.
                                                                                   André Malraux

                               Há alguns dias, um escritor cratense ,radicado em Recife,  queixou-se ter trazido um amigo para visitar a cidade e perambulou por tudo quanto foi de restaurante em busca de nosso prato mais típico: “Baião de Dois com Pequi” e, simplesmente,  não encontrou. Observando direitinho, vemos a cidade apinhada das mais versáteis  culinárias : Sushis, Pizzas e Massas , Comida chinesa, o minimalismo francês, os fast-food americanalhados. Cafés chiques e barracas sofisticadas, de diversas franquias,  têm invadido o espaço público. As novas gerações adquiriram novos hábitos alimentares, já sob a influência de um mundo globalizado e sem cancelas. Há, claro, ainda focos de resistência mantidos, principalmente, pelos mais velhos, mas nossa culinária caririense tradicional, botou o rabinho entre as pernas , adquiriu características quase que marginalescas e reside, agora, em guetos. Onde degustar , na cidade, nas casas mais sofisticadas, um “porco na rola”, uma panelada, uma galinha à cabidela, o aluá, uma buchada, o nosso baião de dois com pequi ? E as sobremesas nossas mais queridas : rapadura, queijo com mel de engenho, doce de leite à Isabel Virgínia, alfenim, batida, o quebra-queixo, o passa-raiva, o sequilho, a peta,  onde encontra-los ? São algumas vezes vendidos, quase que clandestinamente, como se tratassem de drogas perigosas e ilícitas.
                                   Quando reitora, Violeta Arraes esperava equipe vinda da Europa para visitar a Urca. A turma de cerimonial estava prestes a preparar um jantar com frutos do mar para recepcionar os estrangeiros. D. Violeta mandou suspender a sofisticação litorânea , para o espanto de todos,  e ordenou preparassem galinha caipira e baião-de-dois para o opíparo regabofe. De camarão eles viviam fartos! O interessante era, sim, provar a doce iguaria regional.
                                   Carregamos conosco este complexo de cachorro com rabugem. Toda nossa cultura é vista, imediatamente, como atrasada, cafona: coisa para ser cultuada pela gentalha.  Submetemo-nos a um eterno processo colonizador que vem desde Cabral e que continua, agora, não mais com as caravelas, mas pelas asas céleres da TV, da Internet, das Redes Sociais. Ao mercado interessa a uniformização de desejos e preferências para empurrar seus produtos de goela abaixo. O mundo , para o capital, não tem pessoas , indivíduos : possui apenas consumidores. Estes nem percebem  que nos tornamos apenas um taxi,  aguardando a uberização inexorável do mundo à nossa volta. Sem individualidade, uniformizados pela Mídia, somos uma mera garrafa PET , sem possibilidade alguma de reciclagem.
                                   Resta-me algum fiapo de esperança quando testemunho as últimas  escaramuças desta cultura de resistência. Empresa de carros móveis, na cidade, vendendo , todo santo dia : milho cozido, pamonha, canjica. Doceiras, na praça da Sé, negociando nossos doces caseiros mais desejados. Filas para a compra de Filhós,  na barraca São José. Bicicleta oferecendo, de porta em porta, garapa de cana. Por um momento pressinto que, em meio à devastação, flores  ainda teimam em brolhar.
                                   E vem-me  , de repente, uma ideia que me parece mais que oportuna. Com tantos cursos de Gastronomia , na região, com TCC´s , dissertações de mestrado e teses sendo produzidas, por que esquecer nossa Culinária Regional ? Vamos cadastrar, enquanto é tempo, as receitas dos nossos botecos, das nossas cozinheiras e avós, dos nossos bares, das comidas dos mercados, dos cabarés, das feiras, das quitandas. Pode parecer o desvario inconsequente de uma criança buscando prender o sorvete que se dissolve entre os dedos, mas quem sabe não restará um pouquinho do doce, entre as já enjambradas falanges,  para o lambe-lambe de futuras gerações ?

 05/10/17 

Nenhum comentário: