A cultura não se herda, conquista-se.
Há alguns dias, um escritor cratense ,radicado
em Recife, queixou-se ter trazido um
amigo para visitar a cidade e perambulou por tudo quanto foi de restaurante em
busca de nosso prato mais típico: “Baião de Dois com Pequi” e, simplesmente, não encontrou. Observando direitinho, vemos a
cidade apinhada das mais versáteis culinárias : Sushis, Pizzas e Massas , Comida chinesa, o
minimalismo francês, os fast-food americanalhados. Cafés chiques e barracas
sofisticadas, de diversas franquias, têm
invadido o espaço público. As novas gerações adquiriram novos hábitos
alimentares, já sob a influência de um mundo globalizado e sem cancelas. Há,
claro, ainda focos de resistência mantidos, principalmente, pelos mais velhos,
mas nossa culinária caririense tradicional, botou o rabinho entre as pernas ,
adquiriu características quase que marginalescas e reside, agora, em guetos.
Onde degustar , na cidade, nas casas mais sofisticadas, um “porco na rola”, uma
panelada, uma galinha à cabidela, o aluá, uma buchada, o nosso baião de dois
com pequi ? E as sobremesas nossas mais queridas : rapadura, queijo com mel de
engenho, doce de leite à Isabel Virgínia, alfenim, batida, o quebra-queixo, o
passa-raiva, o sequilho, a peta, onde encontra-los
? São algumas vezes vendidos, quase que clandestinamente, como se tratassem de
drogas perigosas e ilícitas.
Quando
reitora, Violeta Arraes esperava equipe vinda da Europa para visitar a Urca. A
turma de cerimonial estava prestes a preparar um jantar com frutos do mar para
recepcionar os estrangeiros. D. Violeta mandou suspender a sofisticação
litorânea , para o espanto de todos, e
ordenou preparassem galinha caipira e baião-de-dois para o opíparo regabofe. De
camarão eles viviam fartos! O interessante era, sim, provar a doce iguaria
regional.
Carregamos
conosco este complexo de cachorro com rabugem. Toda nossa cultura é vista,
imediatamente, como atrasada, cafona: coisa para ser cultuada pela gentalha. Submetemo-nos a um eterno processo colonizador
que vem desde Cabral e que continua, agora, não mais com as caravelas, mas
pelas asas céleres da TV, da Internet, das Redes Sociais. Ao mercado interessa
a uniformização de desejos e preferências para empurrar seus produtos de goela
abaixo. O mundo , para o capital, não tem pessoas , indivíduos : possui apenas
consumidores. Estes nem percebem que nos
tornamos apenas um taxi, aguardando a
uberização inexorável do mundo à nossa volta. Sem individualidade,
uniformizados pela Mídia, somos uma mera garrafa PET , sem possibilidade alguma
de reciclagem.
Resta-me
algum fiapo de esperança quando testemunho as últimas escaramuças desta cultura de resistência.
Empresa de carros móveis, na cidade, vendendo , todo santo dia : milho cozido,
pamonha, canjica. Doceiras, na praça da Sé, negociando nossos doces caseiros mais
desejados. Filas para a compra de Filhós, na barraca São José. Bicicleta oferecendo, de
porta em porta, garapa de cana. Por um momento pressinto que, em meio à
devastação, flores ainda teimam em
brolhar.
E vem-me , de repente, uma ideia que me parece mais que
oportuna. Com tantos cursos de Gastronomia , na região, com TCC´s ,
dissertações de mestrado e teses sendo produzidas, por que esquecer nossa
Culinária Regional ? Vamos cadastrar, enquanto é tempo, as receitas dos nossos
botecos, das nossas cozinheiras e avós, dos nossos bares, das comidas dos
mercados, dos cabarés, das feiras, das quitandas. Pode parecer o desvario inconsequente
de uma criança buscando prender o sorvete que se dissolve entre os dedos, mas
quem sabe não restará um pouquinho do doce, entre as já enjambradas falanges, para o lambe-lambe de futuras gerações ?
05/10/17
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