A classe mais
humilde encontrava-se, mais frequentemente, nos chafarizes. Ali iam as donas de
casa , diariamente, pegar a fila, com seus vasilhames, com fins de abastecer os
depósitos de casa : o pote, a jarra, o tonel, a bacia. A água ainda não descia, amestrada, em canos das fontes do pé da serra. Enquanto
aguardavam a vez, conversas puxavam conversas, fofocas fluíam , como a água do
chafariz. “Vitalina , minha comadre, parece que tá buchuda de um comerciante da
Rua Grande !” “Hercília, tem saído de
casa de tardezinha, dizendo que vai buscar lenha no cafundó. Acho que anda
costurando pra fora!” “Marreco, ontem, furou dois cabras!” Água escorrendo,
latas d´água na cabeça, lá iam subindo as mulheres ladeira acima. O chafariz
era o grupo de WhatsApp da época.
O chafariz era um
anexo das nossas fontes do pé da serra. O murmuro das águas impregnava a
vizinhança de uma tranquilidade de levada
corrente. Transeuntes lavavam-se, banhavam-se, aplacando o calor do dia a dia. As vidas
pareciam mais líquidas, fluindo lentamente sem estertor e sem cascatas à medida
que as horas serpenteavam , sem pressa,
em direção à foz crepuscular. As pessoas , mais úmidas, imantavam-se um
pouco da limpidez da água. As almas faziam-se mais transparentes como se
ungidas , novamente, em pia batismal. Ao voltarem para a pobreza de suas casas,
apaziguados e bentos pelas águas de Oxum, os espíritos pairavam por sobre a
miséria: como se as águas já se lhe bastasse.
Como se o dilúvio já não existisse, como
se alguém gritasse “Terra a vista ! ” e a pombinha acabasse de retornar com o
galho de oliveira dependurado no bico.
18/08/17
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