J. FLÁVIO VIEIRA
Não
se engane não , amigo: não há qualidade neste mundo que não carregue amorcegada
consigo sua dosezinha de defeito. Para
cada face visível de nossas luas, há
sempre uma outra oculta e menos brilhante. Assim, os feios , por mais incrível que possa
parecer, carregam consigo uma grande vantagem em relação àqueles que foram
agraciados com a beleza. A princípio , os papangus apanham de goleada : perdem
a maior parte das conquistas amorosas para os bonitões de plantão,
principalmente na adolescência quando o apelo físico se mostra sempre mais
pujante. Com o tempo, porém, os feiosos começam a ganhar terreno. É que o tempo
é inexorável para com a beleza. À medida que saltam as rugas, que as pelancas
substituem os músculos, que a força gravitacional prevalece, o impacto é
terrível naqueles que um dia já ornamentaram as ruas e os bailes com sua
vivacidade bela e juvenil. Nos que sempre
se afastaram dos ideais estabelecidos da beleza física, por outro lado, o
contraste é mesmo perceptível. Entre o horroroso e o belo existe um abismo;
entre o feio e o muito feio, uma levada : as fronteiras são menos delimitadas.
É claro que com o passar
do tempo, a lei de Vinicius de que a beleza é fundamental, começa a ganhar
novas nuances. Vencida a adolescência, todos ficamos mais pragmáticos e
passamos a avaliar outros tipos de beleza além daquela eminentemente física. Atributos
outros compõem alguma coisa que poderia ser definida como charme : bom humor,
bom papo, inteligência, condição financeira, equilíbrio emocional. As forças de
atração entre os sexos começam a ser estabelecidas por novos critérios, dependendo
dos valores e aspirações de cada um. A beleza física, no entanto, por ser a
mais claramente visível , estampando-se como um outdoor , a priori, permanece
como uma das forças mais importantes nesta soma vetorial. Os feiosos , assim, precisam se desdobrar e
carregar os cartuchos com outros atributos, sob pena de se verem relegados
profissional e amorosamente; mesmo sabendo que o tempo joga no seu time.
Em Matozinho, havia duas
figuras da política local tidas como horripilantes. Um deles era o prefeito
Olegário Jurubeba. Baixinho, corcunda, vesgo, com a cara picotada de espinhas,
puxava ainda de uma das pernas. Tinha o apelido de “Placenta”. Rezava a mitologia
local que só havia uma explicação para tamanha feiúra : a mãe de Olegário era
meio cega e, quando o filho nasceu, jogou no mato o menino e criou a placenta. A
outra figura era o presidente da Câmara Municipal : Adelino Castriciano. Alto,
desengonçado como um boneco de Olinda, tinha os olhos a meio pau e um nariz
adunco como um tucano. Diziam todos que
para ser chamado de feio ele precisava ainda melhorar muito. Por razões óbvias
carregava o epíteto de “Briga de Foice”.
Semana
passada , D. Minervina, uma lavadeira pobre de Bertioga, dirigiu-se à
prefeitura de Matozinho. Pretendia conseguir um emprego de gari para o filho.
Conhecia os dois personagens apenas de nome. Soube que andavam cadastrando
pretendentes ao cargo e partiu para lá. Tonho, o filho de Minervina, não dava
um prego numa barra de sabão. Estava já com quase trinta anos e quando falavam
em Trabalho ele, imediatamente, ficava todo suado, tonto e passava mal. Pois a lavadeira chegou à
prefeitura e se informou onde podia falar com Olegário Jurubeba. Um secretário sonolento
disse que ela procurasse na segunda porta , no fundo do corredor. Minervina
quis, imediatamente , saber como identificar o homem, pois podia ter outras pessoas lá e ela queria
demonstrar, de início, já uma certa intimidade com o edil. O secretário da
prefeitura foi bastante didático:
---
Abra a segunda porta e procure lá o homem mais feio que a senhora encontrar :
ele é o prefeito !
Minervina seguiu a
orientação dada. Ao se aproximar da segunda porta indicada, porém, deu de
encontro com Adelino Castriciano, o
presidente da Câmara, que tinha ido resolver algumas pendências com a
autoridade máxima do município. Assustada, vendo aquela figura horrorosa, parecendo
mais um fiofó com cãimbra, entendeu imediatamente que era aquele a quem
procurava:
--- Seu prefeito, eu vim
de Bertioga e precisava falar um negócio com o senhor !
Adelino, então, explicou
que não era o prefeito, que era vereador. Minervina, desapontada, deu meia
volta e desistiu. Quando passou na recepção da prefeitura, o secretário
admirou-se da rapidez da audiência e perguntou :
--- A senhora falou com
o prefeito ? Achou a sala ?
Minervina, então,
explicou a desistência:
--- Não, Deus me livre !
Eu desisto ! O senhor disse que eu procurasse o homem mais feio que encontrasse.
Falei com um ali que parecia um caititu com convulsão e ele disse que não era o
prefeito. Mais feio do que aquilo, desculpe, meu senhor, eu num tenho coragem
não ! Deve ser um bicho com sustança de feiúra pra assombrar uma casa com três
cozinhas e uns dez quartos ! Zulive ! Vôte !
Crato, 28 de
Julho de 2017
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