sexta-feira, 21 de julho de 2017

Campo de Flores


J. Flávio Vieira

"O mundo é infinito porque Deus é infinito. Como acreditar que Deus , ser                                 infinito, possa ter se  limitado  a si mesmo criando um mundo fechado e limitado?" 

Giordano Bruno





                               Giordano Bruno tornou-se , com sua trajetória , um dos mais importantes ícones da história da humanidade. Sempre que se cogita na luta desigual da Ciência contra o obscurantismo, da liberdade de pensar e se expressar,  seu nome vê-se imediatamente linkado. Viveu este frade dominicano italiano, no Século XV, ainda sob o domínio absoluto da interpretação religiosa em todas as facetas da vida humana. Bruno envolveu-se firmemente com os horizontes da Cosmologia Científica que nascia sob intensa perseguição religiosa. Defendia a infinitude do universo, a existência de outros planetas e  sistemas solares. Propalava que todas as coisas têm alma e que, portanto, deviam ser respeitadas e protegidas, fazendo-se assim um dos primeiros ambientalistas. Giordano também pregava que   Deus devia ser procurado no interior de cada pessoa e não nas coisas ou nos templos, o que confrontava diretamente o sistema hierarquizado das igrejas instituídas. Estas pensamentos ,na época, foram vistos como extremamente heréticos, não apenas pela Igreja Católica mas até pelos Calvinistas e Luteranos. Terminou preso e julgado pela Inquisição Romana. Torturado,  não abjurou. Manteve-se intransigente quanto aos seus princípios, sendo queimado na fogueira, em 17 de fevereiro de 1600, no Campo di Fiori em Roma. Tinha, então, 52 anos.
                                   Visitei, nestas férias, o Campo de Fiori. Lá existe uma estátua de bronze de Giordano, esculpida por Ettore Ferrari,  ali posta no Século XIX, em sua homenagem. O local tornou-se extremamente aprazível, cercado de cantinas coloridas, frequentado por jovens, que bebem e curtem o som de  bandas executando músicas eletrônicas e reggae. Durante o dia, em fins de semana, acontece ao redor do monumento uma feira livre, onde são comercializados produtos alimentícios e artesanais. Casais sentam ao redor do monumento, enquanto entornam copos de vinhos e palestram animadamente com o bulício e a agitação característicos da idade.

                                   Aos poucos, o Campo perdeu o ar pesado, que já possuiu um dia.  Ganhou até o sobrenome de Fiori ( Flores). A galera que se diverte, certamente nem tem conhecimento do passado trágico daquele espaço. Lá de cima, por sua vez, um Giordano circunspecto , coberto por seu manto, parece feliz com a alegria palpitante dos adolescentes ao seu derredor. Imolou-se com a certeza absoluta que dias melhores viriam, que um universo sem fronteiras e nem cancelas não podia limitar os horizontes do homem. Se cada um carrega consigo os genes da divindade,   fomos criados para desfrutar todos os frutos da árvore do  bem e do mal nesse paraíso erguido sem espadas flamejantes  e sem ações de despejo. Do alto,  Giordano percebe que  o cárcere e a liberdade são irmãos siameses; que a dor e o prazer são lâminas de um mesmo sabre. Cada gole de água fresca que corre nas fontes da história da humanidade brota das cinzas de alguma fogueira onde alguém foi imolado em sacrifício por tempos melhores e menos sombrios. O Campo que um dia foi de chamas e suplício , por conta da coragem e obstinação de um homem, viu-se, magicamente,   atapetado de flores. 

20/07/17

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