J. Flávio Vieira
"O mundo é
infinito porque Deus é infinito. Como acreditar que Deus , ser infinito, possa
ter se limitado a si mesmo criando um mundo fechado e limitado?"
Giordano Bruno
Giordano Bruno tornou-se , com sua
trajetória , um dos mais importantes ícones da história da humanidade. Sempre
que se cogita na luta desigual da Ciência contra o obscurantismo, da liberdade
de pensar e se expressar, seu nome vê-se
imediatamente linkado. Viveu este frade dominicano italiano, no Século XV,
ainda sob o domínio absoluto da interpretação religiosa em todas as facetas da
vida humana. Bruno envolveu-se firmemente com os horizontes da Cosmologia
Científica que nascia sob intensa perseguição religiosa. Defendia a infinitude
do universo, a existência de outros planetas e sistemas solares. Propalava que todas as
coisas têm alma e que, portanto, deviam ser respeitadas e protegidas,
fazendo-se assim um dos primeiros ambientalistas. Giordano também pregava que Deus
devia ser procurado no interior de cada pessoa e não nas coisas ou nos templos,
o que confrontava diretamente o sistema hierarquizado das igrejas instituídas.
Estas pensamentos ,na época, foram vistos como extremamente heréticos, não
apenas pela Igreja Católica mas até pelos Calvinistas e Luteranos. Terminou
preso e julgado pela Inquisição Romana. Torturado, não abjurou. Manteve-se intransigente quanto
aos seus princípios, sendo queimado na fogueira, em 17 de fevereiro de 1600, no
Campo di Fiori em Roma. Tinha, então, 52 anos.
Visitei,
nestas férias, o Campo de Fiori. Lá existe uma estátua de bronze de Giordano, esculpida
por Ettore Ferrari, ali posta no Século
XIX, em sua homenagem. O local tornou-se extremamente aprazível, cercado de
cantinas coloridas, frequentado por jovens, que bebem e curtem o som de bandas executando músicas eletrônicas e
reggae. Durante o dia, em fins de semana, acontece ao redor do monumento uma
feira livre, onde são comercializados produtos alimentícios e artesanais.
Casais sentam ao redor do monumento, enquanto entornam copos de vinhos e
palestram animadamente com o bulício e a agitação característicos da idade.
Aos
poucos, o Campo perdeu o ar pesado, que já possuiu um dia. Ganhou até o sobrenome de Fiori ( Flores). A
galera que se diverte, certamente nem tem conhecimento do passado trágico
daquele espaço. Lá de cima, por sua vez, um Giordano circunspecto , coberto por
seu manto, parece feliz com a alegria palpitante dos adolescentes ao seu
derredor. Imolou-se com a certeza absoluta que dias melhores viriam, que um
universo sem fronteiras e nem cancelas não podia limitar os horizontes do
homem. Se cada um carrega consigo os genes da divindade, fomos
criados para desfrutar todos os frutos da árvore do bem e do mal nesse paraíso erguido sem espadas
flamejantes e sem ações de despejo. Do
alto, Giordano percebe que o cárcere e a liberdade são irmãos siameses;
que a dor e o prazer são lâminas de um mesmo sabre. Cada gole de água fresca
que corre nas fontes da história da humanidade brota das cinzas de alguma
fogueira onde alguém foi imolado em sacrifício por tempos melhores e menos
sombrios. O Campo que um dia foi de chamas e suplício , por conta da coragem e
obstinação de um homem, viu-se, magicamente, atapetado de flores.
20/07/17
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