sexta-feira, 21 de abril de 2017

De Calças Baixas

                               
Tendemos a ver os novos tempos com  olhos embotados  em névoas de passado. Os novos costumes, as recentes nuances da Moral, a dinâmica inevitável do fluxo da humanidade  caem nos nossos olhos, em geral, como argueiros. Difícil se conseguir fazer um upgrade na nossa visão de mundo. O mais comum é que nos fossilizemos em algum momento da nossa adolescência. Frases como : “Nosso tempo era muito melhor !” , “Na nossa época, sim, havia respeito!” , “Esses meninos de hoje estão perdidos!” brotam, sempre,  de algum sentimentalista louco. Alguém  que reclama da Ferrari que passa veloz, montado no seu jegue ronceiro. A vida passa, as horas escorrem pela ampulheta, a paisagem se modifica e  com os costumes e hábitos não poderia ser muito diferente. Comparar , sem o necessário distanciamento, práticas e peculiaridades temporais, sem projetá-las em novos e modernos contextos é um exercício iníquo e inglório. Mas claro que nem tudo que vem banhado de novo, necessariamente, traz consigo consistência de evolução. Murilo Mendes dizia que as coisas no planeta mudam muito mais do que evoluem. Diante da Esfinge do verde , pronta a nos devorar na nossa tentativa de decifrá-la, é preciso catar as escolhas  do carcomido e do pútrido.
                        Acho, assim,  sempre temeroso fazer ilações sobre comportamentos modernos, totalmente díspares dos valores de que fui infundido. São aberrações ou apenas uma mera consequência do curso normal da existência ? Esse preâmbulo me pareceu necessário para explicar a minha estupefação,  quando venho presenciando condutas esdrúxulas de alguns futuros colegas de profissão. Estou diante de deformidades reais, com fantasia de moderno   ou   apenas ficando velho, ranzinza e obsoleto ?
                        Dias atrás, sextanistas de Medicina, da Universidade Vila Velha, no Espírito Santo, encontraram uma modalidade nova de se fotografarem antes da formatura. Todos de jaleco e estetoscópio no pescoço, baixaram as calças e mantiveram as mãos , na altura do abdômen, simulando a imagem da genitália feminina. Publicaram a fotografia em Redes Sociais com a legenda de “Pintos Nervosos”. A ideia que me passaram, claro, foi a de que, uma vez diplomados,  estariam todos aptos e com recursos suficientes para se empanturrarem em libações sexuais. Estariam na mira pacientes e acompanhantes ? As festas de término de curso, nos últimos tempos, perderam a solenidade típica de anos atrás. Frequentemente, em bailes monumentais, os novos formandos são chamados , um a um, ao som de músicas do mais baixo qualidade, muitas vezes aparecendo eles de sunga, ou fantasiados de  gogo boys, executando danças com forte viés sexual. Assim são apresentados à sociedade presente que aguarda, ansiosa, novos e exímios profissionais da arte médica.
                                   Essas mudanças abruptas coincidem com a disseminação de Escolas Médicas Privadas, geralmente cobrando altíssimas mensalidades dos seus alunos. Grande parcela destes empréstimos é financiada pelo mercado financeiro, com prestações a serem quitadas a se perder de vista. Os alunos, assim, se diplomam sem qualquer sensibilidade social ou ética. Investindo maciçamente na  carreira, pretendem, a todo custo, fazer valer, financeiramente, a aplicação. Sentem-se como meros agiotas  trabalhando na Bolsa de Valores. As especialidades são catadas, pragmaticamente, entre aquelas mais lucrativas.  As consultas e procedimentos que virão,  terão o fito único de ressarci-los  do  capital empregado, com os lucros, claro, que pensam em auferir. O paciente que já foi o fim único da Medicina , passa a ser relegado a um simples meio. Muitos dos novos profissionais falam apenas em qualidade de vida ( deles), carros importados, carreiras políticas. De há muito se vêm diplomando apenas técnicos da arte médica, alguns de grande qualidade e conhecimento científico, mas sem nada do perfil humanístico que a Medicina continua a exigir. Hipócrates é coisa do passado remoto; o Deus Asclepius foi substituído por Hermes e Mercúrio.
                                   Os futuros médicos que baixaram as calças, no Espírito Santo, infelizmente, são , hoje, o protótipo do novo esculápio. O Código de Ética já não tem nenhum significado, a nova relação médico-paciente passou a ser meramente comercial e regulamentada, pois, pelo Direito do Consumidor. Não há nenhuma diferença palpável entre o técnico de refrigeração que conserta a geladeira e o médico atual que tentará dar um jeito numa máquina muito mais complexa. É esta realidade que hoje nos salta aos olhos. E sei que vou ser chamado de retrógrado, abestalhado e velho, pois ainda creio que a confiança, o toque, a solidariedade, a compreensão,  o calor humano , a luta contra as injustiças sociais, o olho no olho são medicamentos mais poderosos que muitos outros que pendem das prateleiras das farmácias. O que presenciei semana passada não foi um strip-tease de alguns doutorandos, mas a Medicina Brasileira literalmente baixando as calças.


Crato, 20/04/17     

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