COISA DE LOUCO !
J. Flávio Vieira
“O limite extremo da sensatez é o que o público batiza
de loucura.”
A Fundação Nacional de Saúde foi
criada em 1990, depois da nova Constituição Brasileira ser promulgada. Ela
unificou as ações das antigas Fundação
SESP e da SUCAM. As duas instituições
tinham uma esplêndida folha corrida de
trabalhos prestados à Saúde Preventiva no Brasil. Brotaram, na primeira década
do Século XX, quando, no país, começamos a nos preocupar na prevenção das
epidemias que tinham dizimado a população brasileira nos séculos anteriores. A
FUNASA, assim, detém a mais contínua e centenária ação na engenharia da saúde
pública brasileira. Eles mapearam, criteriosamente, toda a nação , casa por casa, habitante por
habitante, muito antes de chegarem os Programas Saúde da Família. Investiam-se
na precípua função de controlar e monitorar , prevenir e tratar, em todo território pátrio, endemias seculares
como: Doença de Chagas, Febre Amarela, peste Bubônica, Esquistossomose,
Tracoma, Leishmaniose.
Com
o advento do Sistema Único de Saúde, a instituição terminou sendo
municipalizada, entregue à direção das Secretarias de Saúde, tantas e tantas vezes despreparadas e
descompromissadas e, aos poucos, fomos
jogando na lata do lixo, um trabalho profícuo e centenário, tecido por muitas
gerações de profissionais brasileiros. Permitimos,
irresponsavelmente, com que se perdesse
a mais vitoriosa experiência de promoção
e prevenção de saúde de que se tem notícia em nossa história. Agora, com o
recrudescimento da Febre Amarela, em vários estados do Sudeste, da Zyca, da
Chikugunya, da Dengue, percebemos a tragédia que, intencionalmente, terminamos
por plantar.
As novas
gerações de profissionais de saúde, na sua maioria, encontram-se umbilicalmente
ligados à Terapêutica, a um modelo hospitalocêntrico de Saúde. Ficaram nos
livros de história, apenas, a dedicação de um Oswaldo Cruz, de um Carlos
Chagas, de um Adolfo Lutz. Simplesmente porque assim são formados. Com a
proliferação das Faculdades particulares e os cursos caríssimos, formam-se para
tratar quem lhes possa pagar. Às vezes até se submetem, sem preparo maior, a
atender em algum PSF, mas apenas enquanto fazem um pé de meia para se
super-especializarem. As vocações são impulsionadas pelo mercado, escolhem-se
aquelas áreas, que naquele momento mais renda possam retornar e com mais
qualidade de vida. Foi-se o tempo dos visionários e dos sacerdotes ! A medicina
Preventiva continua a ser o patinho feio da medicina brasileira e sem nenhuma possibilidade de um
dia se descobrir cisne.
Medidas
intempestivas como a desarticulação criminosa e abrupta da FUNASA e o
consequente impulso no reaparecimento das endemias e epidemias parece que não
nos têm trazido maiores lições. Recentemente, alguma coisa parecida aconteceu
com a Assistência Psiquiátrica. Submetemos os nossos frenocômios a um processo
programado de inanição. A Reforma Psiquiátrica, claro, era uma necessidade
premente no país que criara verdadeiros campos de concentração de insanos, com
a única e histórica função de os isolar da sociedade e dos familiares.
Aqui
em Crato, tivemos o fechamento recente do Hospital Santa Tereza que atendia
pacientes de inúmeros estados e cidades circunvizinhas. A Reforma previa a imperiosa criação de uma rede ambulatorial
de atendimento : com Hospital Dia, CAPS e áreas para internamentos de pacientes
psiquiátricos, nos seus surtos, em hospitais gerais da região. Mais uma vez a batata quente foi jogada nas
mãos do município. O final não podia ser mais previsível. Os nossos hospitais
gerais não têm qualquer capacidade e treinamento para internar pacientes psiquiátricos.
Paciente surtou, a família e os vizinhos chamam a polícia que o prende. Uma
questão de saúde se transforma, como em séculos passados, num mero problema
carcerário. Esta semana o CAPS, aqui em Crato não tinha formulário de medicação
especial controlada, e os pacientes perambulavam, de Centro em Centro de Saúde,
mendigando uma folhinha de formulário, impossibilitados que estavam até de
poder comprar, até do próprio bolso, as medicações sujeitas a Controle pela
Vigilância Sanitária. E nem é necessário falar na falta crônica de medicamentos
psiquiátricos básicos só conseguidos, muitas vezes, com judicialização. Como
sempre, sofre mais a população mais pobre, sem posses, sem medicamentos
acessíveis e conhecimento para procurar os meios legais que lhes possam fazer
valer seus direitos constitucionais.
Olhando o
caos na Assistência Psiquiátrica em que vivemos em muitas cidades do país, com
pacientes perambulando no meio da rua, sujeitos ao bulling contínuo da
população; com loucos nos surtos sendo trancados em jaulas, no fundo do
quintal, em cárceres privados; com os presídios tendo que fazer as vezes de
manicômios; observando uma calamidade destas vem-nos sempre a pergunta : quem
são os loucos e quem são os normais nesta sociedade que se pretende moderna ?
Crato,
24/03/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário