“ o universo é uma tremenda loira
que vive no infinito
eu faço cócegas no seu pé”
Geraldo Urano
Existiram tempos menos poéticos do
que os que vivemos agora? Nos Estados Unidos,
Trump estrompa todas as regras de
pacificidade entre os homens. A Síria se tornou um imenso cemitério a céu
aberto, onde a dor e o sofrimento tomaram tintas de normalidade. Hordas de
migrantes cruzavam oceanos, em precárias embarcações, fugindo de um mundo conflagrado
e , quando escapam da morte, se defrontam com o rosnar de ódio e ranger de dentes do
primeiro mundo. Guerras de fundo religioso estão a demonstrar a ineficácia das
religiões universais em estabelecer convivência harmoniosa entre os homens, em
fazer da teoria dos seus livros sagrados uma prática humana cotidiana. O mundo guina perigosamente no sentido do
individualismo e do massacre de minorias. O planeta se divide entre aqueles que
são ricos ( dizem que por mérito) e aqueles que são miseráveis, segundo os
afortunados, por inteira incompetência e
merecimento. No Brasil, um
cleptocracia estuprou uma democracia ainda nos cueiros. Todos os
poderes estão igualmente corrompidos com o intuito único de legalizar ,
oficializar e monopolizar o achaque aos
parcos recursos públicos. As classes abastadas , com uma sanha que beira à
hidrofobia de Pit-Bull, atacam os mínimos e mais primários direitos humanos.
Erguem-se, novamente, milhares de pelourinhos em praças públicas, país afora, para o chicoteio impiedoso de descamisados,
homossexuais, mulheres, inimigos
políticos, índios, trabalhadores, estudantes. Conquistas sociais centenárias
caem por terra com decretos bizarros votados em conchavos noturnos e sombrios. Revogam-se
as Leis Áureas e do Ventre Livre. Os recursos naturais são espoliados, sem
nenhum pudor, que se lasquem os nossos filhos e netos!
Lembrei-me
disso, esta semana, quando nos despedimos do maior poeta caririense da minha
geração : Geraldo Urano. Sua poética fazia com que se quebrassem todas as
barreiras cósmicas, históricas e geográficas. Como se entendesse que por mais
distante que todos estivéssemos na viagem, ocupávamos todos o mesmo barco ,
seja em direção ao éden ou ao precipício. Em meio à moléstia incapacitante e
traiçoeira que o acompanhou , como uma amante possessiva, por quase cinquenta
anos, continuou na sua arte, como um pássaro que mesmo mortalmente ferido, de
asas partidas, permanecesse cantando.
Por que ? Simplesmente porque , num planeta tão opaco , insípido e inodoro o canto é essencial. Ele se torna a única
possibilidade de demonstrar outras perspectivas banhadas de luz e de esperança.
Quem vê de
longe, o poeta, em meio ao caos e a estupidez humana, deve-se rir da iniciativa
que parecerá pueril. Como uma criança que colocasse o pintinho mortalmente
ferido debaixo da cumbuca e batesse em cima, ritmicamente, na certeza de que
recobrará as forças e o sentido. Mas,
por incrível que possa parecer, acredito que a possibilidade de salvar o
passarinho está mais nas mãos da criancinha do que nas daqueles que empunham o
gatilho da espingarda.
Não
vejo futuro generoso para uma humanidade contábil, burocrática, atenta
unicamente às operações de somar e multiplicar. Os códigos da vida são bem mais
amplos do que os códigos de barra, impossível decompor a vida num máximo
divisor incomum. Aldous Huxley se interrogava se este mundo não seria apenas o
inferno de um outro planeta. O certo é que aqui coabitam também um paraíso e um
purgatório. Inferno dos pobres, purgatório dos remediados, paraíso dos
abastados.
Os poetas ,
profeticamente, vislumbram um éden comum a todos. É utopia, sim, mas como subsistir
sem ela ? O mundo fica mais triste e chato sem Urano, que deu suas lições e,
hoje, está fazendo cócegas no pezinho da loura universal. E ela gargalha...
Crato, 10/02/17
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