J. Flávio Vieira
Só existe uma coisa permanente neste mundo : a Impermanência.
Estamos todos embarcados no mesmo trem do tempo infinito, em vagões diferentes
e, pouco a pouco, vão desembarcando passageiros. Nunca se sabe qual será a
nossa estação final. O certo é que ela chegará sem aviso prévio, sem anúncio
dado pelo maquinista. Cada um terá o direito de observar uma paisagem temporal
por sua janela, conversar com os passageiros do lado, cumprimentar o
companheiro de viagem logo à frente, mas cada um de nós, apesar de seguirmos na
mesma direção, perlustramos díspares embarcadouros e nos dirigimos a portos
diferentes. Somos todos prisioneiros do espaço e do tempo. Fugindo de
explicações esotéricas, só existe uma maneira uma forma de se abrir um portal
entre tempos e gerações : A Arte. Com ela
é possível fazer com que se quebrem barreiras geográficas, temporais, espaciais
e, mesmo sem a presença física do passageiro, viandantes futuros poderão dialogar e serem
tocados por escrituras rupestres que
incontáveis grafiteiros no passado foram debuxando pelas paredes do trem. A
Arte tem essa capacidade mítica de burlar este fatalismo intrínseco ao nosso
cortejo candente pelo planeta.
Esta
semana desceu do comboio um desses nossos queridos companheiros de travessia.
Sérvulo Esmeraldo era cratense de carteirinha. Antes de se tornar artista
plástico de renome internacional, transitou por muitas linguagens : Gravura,
Ilustração, Pintura e a Escultura. Degustou, também, o sabor de muitas escolas
como o Figurativismo, a Cinética, a Abstração, o Construtivismo. Permanece,
mais claramente, na nossa memória afetiva, as esculturas geométricas de linhas,
sombras e luz que foi espalhando mundo afora. Ligado umbilicalmente ao Cariri,
estas formas devem ter brotado, naturalmente, das tortuosas e íngremes ruas do
Crato, do relevo da nossa Chapada. E foi aqui, que ele, no ano passado, quase
como um testamento, resolveu fazer sua última Exposição. À medida que o
desembarque se aproximava , Sérvulo retornava mais e mais , sentimentalmente, às
suas raízes. Tinha a certeza, absoluta, que a última parada do seu trem seria
na Praça dos Pombos.
Sérvulo
mantém aquele desígnio profético de que ninguém é profeta na sua terra. A
cidade não lhe retribuiu a paixão desenfreada . Fica na nossa paisagem natural
apenas uma escultura, no Alto do Seminário, doada por ele mesmo no seu retorno
derradeiro. Permanece como um legado artístico que observa do poleiro a
degradação arquitetônica da Vila de Frei Carlos. Edifícios em caixão ,
significativos ao funeral que se vai perpetrando. Monumentos públicos estéreis.
Ruas frias e sem história, demonstrando
a incompetência fenomenal que sempre tivemos de fazer conviver o moderno com o
tradicional, de fazer dialogar o passado glorioso com o presente desbotado.
Sérvulo
parte e deixa sua arte estampada nas paredes do nosso trem. Ela continuará a
encher os olhos dos futuros passageiros que, agora, terão outros cenários a
desfrutar, além dos que passam
freneticamente pelas porta e janelas do
trem. Se se observar direitinho, ele continua sentado em uma das poltronas,
discretamente, conversando com os que passam, apressados, tangidos pela vida. Sérvulo , como um monge
tibetano, ensina, dia a dia , que , na vida e na arte, tudo se resume ao
equilíbrio entre Sombra e Luz. O pássaro adejou as asas e partiu, mas fica entre
nós o seu canto !
Crato, 03/02/17
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