quinta-feira, 2 de outubro de 2008

MACHADO E O CRASH DA BOLSA DE VALORES DE MATOZINHO


Há exatos cem anos, neste 29 de setembro, o Brasil perdia seu mais importante escritor: Joaquim Maria Machado de Assis, aos sessenta e nove anos . Machado tornou-se uma lenda, ficcionista de primeira linha, hoje é reconhecido internacionalmente como um dos mais importantes homens de letras da história da humanidade. Nascido pobre, no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, mulato, gago e epiléptico, nosso Joaquim Maria fez-se um claro exemplo de superação de adversidades. Seu estilo é único, sua temática original, seja nos contos fabulosos, nas crônicas, na poesia, no teatro e nos oito romances que publicou. Monteiro Lobato o soerguia ao patamar de santo e eu, um pobre escrivinhador de garatujas mal-arrumadas, no interior do Nordeste, não consigo, ainda hoje, escrever uma linha, sem imaginar a jóia lapidada que seria se o mestre Machado a produzisse. Nenhum literato me influenciou tanto como o “Bruxo do Cosme Velho” embora reconheça que seus escritos são totalmente contra-indicados para quem se imagina um dia escritor. Dá uma vontade danada de abandonar tudo, por pura e clara humilhação, tem-se a insofismável certeza que jamais se chegará no rastro de um artista daquele porte. Os livros de Machado emprenharam toda minha juventude, li-os e os reli muitas e muitas vezes. Agora, no centenário da sua morte, fitei novamente a grande coleção de livros verdes da sua obra completa, com aqueles olhos dourados da minha infância. Pensei em homenageá-lo, em meio a uma centena de festividades que merecidamente se desencadeiam em todo país. Faltava , talvez, um ribombar de fogos em Matozinho. Aturdindo, no entanto, com as preocupações eleitorais, o prefeito Sindé Bandeira sequer teve tempo de se deter nestas comemorações. Vai para o nosso Machado, endereçada à mais portentosa nuvem celeste, esta história bem ao seu gosto, de como aconteceu recentemente o Crash da Bolsa de Valores de Matozinho, igualzinho ao que acabou explodindo com os gringos nas estranjas.
Zezim Jurubeba , há uns três anos, resolveu se estabelecer em Matozinho no ramo do entretenimento. Inaugurou uma espécie de Bar-Boate na rua do Caneco Amassado, naquele lugar onde antigamente não era difícil encontrara as mulheres fáceis. Estabelecimento novo, no intuito de se firmar no mercado mais rapidamente, Zezim começou a abrir uma linha de crédito, aceitando dependuras várias. O fiado se tornou quase que um instituição no Bar-Boate Jurubeba. Com a intenção de livrar-se um pouco dos atrasos quase que inevitáveis, no pagamento das dívidas que se iam acumulando, Zezim aumentou consideravelmente o preço das bebidas e dos serviços de alcova prestados. Vendia fiado, mas vendia caro, se isso é uma espécie de consolo. Passados uns dois meses, já tinha Zezim uma coleção impressionante de vales de tudo quanto era bêbado e boêmio de Matozinho. Com parco capital de giro, Jurubeba começou a se aperrear. Resolveu, então, procurar o Banco da Cidade : o agiota de carteirinha Liquim Zapragata que inclusive gostava de freqüentar a Boate, em dias que a mulher se botava para as reuniões na igreja. Zezim lhe expôs suas dificuldades de liquidez e Zapragata concordou em receber todos os vales de Jurubeba, com uns 30% de desconto. De posse do dinheiro novo, o proprietário pagou algumas dívidas pendentes e inclusive ampliou as dependências da Boate, fazendo um puxado. Liquim, bem entrosado no comércio da redondeza, começou a negociar os vales com outros agiotas de Matozinho e cidades vizinhas, pagando muitas vezes dívidas com as dependuras . Estes por sua vez passaram, também, a pagar fornecedores da capital com os vales recebidos de Liquim e que diziam ser da maior confiança. Passados os dois meses de prazo do recebimento, aconteceu o previsto. Os vales cobrados dos bêbados e boêmios de Matozinho simplesmente não tinham lastro, um bando de liso não tinha como pagar e a corrente toda se partiu. Jurubeba informou que havia negociado os vales com Liquim e não tinha nada com isso. Liquim, por sua vez, explicou que o problema não era dele, já que havia passado para frente, inclusive perdendo dinheiro e que o risco era de quem recebeu. Os fornecedores pressionaram os estabelecimentos, ameaçando receber as mercadorias de volta, só que foram informados que elas já tinham sido prontamente vendidas. Procurados os bêbados de Matozinho disseram reconhecer os vales como tendo sido emitidos por eles, mas que não tinham como pagar, pois andavam mais lisos que muçum ensaboado. A confusão se alastrou por toda região, tem meio mundo de gente na falência e , ontem mesmo, o prefeito Sindé Bandeira se reuniu com a Câmara para ver se arranjam algum dinheiro da prefeitura para tapar o buraco negro aberto a partir da Boate Jurubeba.
Talvez, por isso mesmo, eivado de preocupações com a macro-economia, Matozinho não tenha ainda pensado em homenagear aquele velho de picinês que escrevia igualzinho a Pedro Pito a maior cordelista da cidade. Sindé Bandeira pensa em encomendar uma estátua de barro a D. Ciça com o velho Machado e Pedro Pito juntos e embaixo rabiscado :
“Essa é a gulora que assobe, tal e quá balão, em noite de São João”.

J. Flávio Vieira

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