sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Tempos Cavernosos

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Depois da revelação dos crimes hediondos cometidos pelo III Reich durante a II Guerra, entre eles o extermínio cruel de mais de seis milhões de judeus, além do de outras minorias como ciganos, homossexuais, inimigos políticos, pairou no mundo alguns enigmas de difícil resolução. O primeiro deles dizia respeito ao envolvimento de boa parte da intelectualidade alemã nos discursos e atos de ódio promovidos por Hitler e seus asseclas. Como entender que o berço moderno da Filosofia, a Alemanha, tenha sido contaminada por uma onda pútrida como a o III Reich ? Entre tantos, o  maior filósofo do seu tempo , Martin  Heidegger  (1889-1976).  Depois, assustou a todos a pouca reação do povo judeu frente à perspectiva do extermínio. A maior parte das vezes seguiu para os fornos, como reses resignadas vão ao matadouro. Eram às vezes milhares deles embarcando em trens superlotados, sob a vigilância de alguns soldados nazistas, armados, é certo, mas , com tamanha desigualdade no número, esperavam-se revoltas no embarque, com muitas mortes de lado a lado e não foi isso que se viu. Por que ?

         Hoje, com o crescimento assustador da extrema direita, mundo afora, quase noventa anos depois da enorme tragédia acontecida, entendemos a frase de Brecht que dizia que a Cadela do Fascismo estava sempre no cio. Recentemente, Trump foi reeleito de forma avassaladora, pelos americanos, que se arvoram como um dos povos mais civilizados do planeta, depois de ter atentado contra a democracia, num quebra-quebra inimaginável no Capitólio, com cinco mortos, além de ter espalhado fakes sobre o processo eleitoral estadunidense. Na segunda posse, um dos seus apoiadores, um dos mais ricos homens do mundo, refez simbolicamente o gesto de saudação nazista. Nos seus primeiros atos, Trump expulsou imigrantes de forma cruel e ameaçou mandar os que ficaram para um novo campo de concentração: Guantanamo. Esqueceu que sua mãe, Mary Ann McLeod chegou, em 1930, nos EUA, vindo de Glasgow, como imigrante. Se tivesse sido submetida ao mesmo tratamento proposto pelo filho, hoje a América estava livre daquele traste. Aqui Bolsonaro elogiou a atitude da expulsão violenta dos brasileiros algemados pelos pés e mãos , como um perfeito lambe-botas dos Ianques. Trump retomou a perseguição aos homossexuais, informando que na terra do Tio Sam, a partir de agora, só existem dois sexos. Não sabemos se a população de San Francisco já foi avisada da novidade. Não bastasse isso cospe as mesmas ideias expansionistas de Hitler: fala em retomar o Canal do Panamá, em anexar o México , a Groelândia e Canadá como meros estados americanos. Não muito diferente do que Hitler fez, por um tempo, com a Polônia, a França, a Bélgica, até se esborrachar, de vez, nas portas da  Rússia. O povo americano , dito tão letrado e avançado, assina embaixo, avalizando toda essa doideira, noventa anos depois de o povo alemão ter tido a mesma atitude. O que mudou ? Em que a humanidade avançou no seu andar de caranguejo? O primeiro enigma da esfinge parece ter sido desvendado agora: Trump mostra que qualquer país é capaz de cometer as maiores atrocidades desde que se veja hipnotizado por um feiticeiro qualquer que lhe diga ser superior e que merece, assim, que sua vida seja melhorada e , para isso, é necessário matar os concorrentes.

                   Muitos entendem que o alemão viu-se hipnotizado pela máquina de propaganda nazista, encabeçada por Goebbels. Hoje, com a internet , as redes sociais, a inteligência artificial, aquela máquina de fakes parece brincadeira de criança. Azeitada, qualquer atrocidade inimaginável pode ser feita e perfeitamente justificada.

                   Hanna Arendt filósofa alemã,  uma judia ashkenazi, havia matado a segunda charada. Segundo ela, os judeus aceitaram resignadamente seu destino, sob orientação das próprias lideranças judias, que tinham uma banca de negociação com os chefões nazistas. Em acordos e conversações, liberavam alguns líderes, compravam liberdades e facilidades em alguns guetos. É previsível o rebu que isso causou na comunidade judia, no pós guerra, com uma perseguição atroz à filósofa. A comunidade judia, tão penalizada durante o período que culminou com um dos crimes mais tenebrosos contra a raça humana, nunca quis assumir a parte de sua responsabilidade no Holocausto.

                   Hoje, o filme se repete. A população mais desfavorecida  tem uma grande fatia que defende seus opressores. Boa parte dos imigrantes americanos, de negros, homossexuais e outras minorias votou em Trump. No Brasil pululam os famosos pobres de Direita, o gado que defende a ferro e fogo o dono do frigorífico. O proletário que vota no patronato. Tim Maia, na sua irreverência dizia que um dos motivos porque o Brasil não tinha conserto é que aqui o pobre é de Direita.

                   É triste essa revelação, mas o mundo evoluiu pouco no que diz à sua humanidade. Todas as atrocidades que se avolumam nos nossos livros de História estão, perfeitamente, prontas a preencherem novamente nossas páginas policiais. A qualquer momento um louco qualquer de plantão, eleito de maneira inconteste pela população, poderá apertar um botão e destruir o planeta inteiro. E, o mais desapontador de tudo: sob o aval e  os aplausos calorosas da maior parte dos seus seguidores. Acabado tudo, algum sobrevivente poderá rascunhar essa história com riscos rupestres, em alguma caverna.  Igualzinha àquela onde tudo começou e de onde, ao menos em humanidade, o Homo sapiens nunca arredou o pé .

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