terça-feira, 1 de outubro de 2024

Batendo piaba

 

Um close de um peixe morto no leito de um rio seco, um lembrete claro dos  efeitos devastadores da seca na vida aquática | imagem Premium gerada com IA 

Não há nesse mundo quem entenda mais de economia do que uma dona de casa. A capacidade de fazer render cada centavo do minguado salário do brasileiro é uma arte perfeitamente feminina. A paciência de comparar preço de bodega em bodega, de vasculhar marcas em busca das mais em conta, de fuçar promoções e descontos, a resiliência de enfrentar filas quilométricas  nos queimas, só mesmo as mulheres têm essa habilidade. Talvez porque são elas , justamente, as mais assediadas pelas campanhas de publicidade, principalmente nos itens direcionados à beleza e à vaidade pessoal. Aí precisa puxar daqui, esticar dali, para caber tudo no orçamento.  Os homens, em geral, pecam pela impaciência e não se dão ao luxo de medir e pesar os preços das etiquetas, compram o produto que procuram na primeira loja que encontram. Nós não pedimos menos !  O comércio sabe bem disso e desenvolveu uma grande arte contorcionista de negociação com suas clientes, afinal são elas as maiores compradoras, basta ver , por exemplo, a compra de itens como sapatos, roupas, perfumes, maquiagens, shampoos, cremes... se dependesse só dos homens não haveria mais loja aberta nos centros da cidade.

                   Nas gerações  anteriores, então, essa capacidade era bem mais visível. É que os tempos eram mais bicudos e cada desconto conseguido , por menor que fosse, ajudava a fechar as contas de final de mês. Não se tinha qualquer amparo social, velhos não se aposentavam, doentes não recebiam benefícios, não existia carteira assinada,  muitas vezes, então, a distância entre a vida e a morte, a fome e a bonança,  o bem estar e a miséria dependia do quanto de mantimentos se guardava no paiol de casa. Era, assim, muito comum nossas avós receberem a pecha de unhas de fome, de mão de vaca. Minha mãe, professora , recebia um parco salário e, mesmo assim, ainda conseguia alimentar uma poupança, mensalmente. Minha avó paterna, Senhorinha, tinha a fama  de fominha na família. Diziam que reclamava dos leiteiros da fazenda porque, todo dia, tiravam um novo cipó de marmeleiro para tanger os burros. Orientava que deviam guardar o cipó para usar durante toda a semana. Quando perguntavam o porquê , explicava:

                   -- Cada cipó desses que vocês tiram, daqui a um ano,  vai ser uma vara. Já  dava para fazer uma cerca daqui da Lagoa dos Órfãos até o Junco, se vocês não vivessem nesse arranca-aranca !

                   A famosa Lagoa que deu nome à fazenda, segundo contam meus tios, num ano de seca estava praticamente na lama, batendo a piaba como se diz. Meu avô orientou os moradores a pegarem os últimos peixinhos antes que morressem por falta d´água. Segundo contam, no segundo dia, minha avó protestou:

                   --- Cuida, Vicente ! Do jeito que vai , vão acabar com a lama toda da lagoa ! Não vai sobrar nada ! Cuida !

                   Sem nossas ministras da economia doméstica, a humanidade teria sobrevivido à hecatombe nossa de cada dia ?

 

Crato, 09/08/24

Nenhum comentário: