“Toda idade pode parecerLinda, contanto que você
Viva dentro dela”
Brigitte Bardot
J. Flávio Vieira
Talvez uma das artes mais
difícieis seja a do envelhecimento. Como envelhecer, sem envilecer ? Como conviver, num pacto ao menos amigável , com as incontáveis limitações que o diabo do
tempo vai nos jogando no colo ? Da uva ao maracujá de gaveta, a estrada é longa
e tortuosa. E, como numa casa velha de taipa que começa a pender, começamos a
colocar escoras, a jogar outras demãos de tinta, a tentar melhorar o reboco,
mesmo sabendo que há goteiras no teto, pucumãs na cozinha, infiltrações na
parede... Como viver dentro dela, D. Brigitte ? E, por falar na nossa Bardot,
deve admitir que existem lá suas vantagens de não ser uma deusa como ela foi.
Ser feio como um cafimfim tem também
suas vantagens. Com o passar dos anos, o supapo não vai ser muito grande: você
já era feio desde pitotinho, ninguém vai lá notar muita diferença ! E você pode
até ganhar profissão nova: ser contratado para assombrar casa velha ou curar
soluço de menino e, no Halloween, você nem carece de gastar com a máscara.
Nestes dias, tivemos a triste notícia de que Alan Delon, um
dos mais importantes atores do cinema francês, hoje morando na Suiça, entrou com
um processo na justiça para fazer uma
morte assistida. Lá, o procedimento é legal. Aos pacientes que se sintam em
grande sofrimento, físico ou psíquico, a lei fornece uma medicação que o
próprio padecente ingere para fazer a viagem derradeira, sem muitos catabis. Aos 86 anos, o ator não tem nenhuma doença
terminal. Teve, há alguns anos, dois AVC´s que certamente lhe limitaram as
atividades cotidianas corriqueiras. Mas tem reclamado constantemente das
agruras do inverno da existência: “Envelhecer é uma merda!”. É possível entender seu desapontamento. Alan
Delon foi um cabra bonito danado, charmoso, desses que não faltavam papéis no
cinema e nem mulheres apaixonadas. Certamente, o reflexo no espelho de casa lhe
foi terrível. Impossível reconhecer a decrepitude acentuada, a desfiguração, o
arraso que o tempo lhe causou. Acrescente-se a tudo isso estas eras onde o
culto à beleza é quase uma religião e a anulação total que se impinge às
pessoas mais eradas, vistas como um estorvo, um peso, uns surripiadores das
verbas da Previdência.
Alan Delon desistiu de viver. Claro que, a
despeito de vinculações religiosas, cada um tem o direito de fazer o que quiser
de sua jornada terrestre. Inclusive o sagrado direito de dizer: Já basta !
Tchau, queridos, foi bom ter conhecido vocês ! Pacientes terminais, sem
qualquer possibilidade de recuperação, em que prolongar os dias representa
apenas estender o sofrimento, desde que assim o desejem, em plena consciência,
não me parece justo, nem cristão, sonegar-lhes o direito de estancar seu padecer. Hoje, felizmente, existe toda uma
área médica dedicada a este momento delicado: Medicina Paliativa. Há, no
entanto, os muitos casos mais intermediários ou dúbios. Pessoas idosas que, abandonadas,
não vêm perspectivas à sua frente. A solidão uma companheira cada vez mais
frequente à medida que a areia escorre da ampulheta. A depressão que tem
grassado nas almas com o avanço da idade. Se até Alan Delon desistiu de vez,
que diabos ainda estamos fazendo aqui, podemos nos perguntar ! Como achar a beleza
vivendo dentro de barreiras tão opressivas ?
A humanidade está trilhando os caminhos certos?
A única oportunidade que resta aos que lutaram por toda sua vida para criar os
filhos, orientá-los, pô-los no mundo , que trabalharam incessantemente para que
seus descendentes vivessem em tempos melhores; a única oportunidade que lhes
damos é a possibilidade de escolherem o veneno ideal ? Esta é uma pergunta que
os idosos de hoje podem fazer à juventude , não esquecendo de ao ingerir o
veneno ( o remédio único prescrito para a solidão dos anos) , deixar um
restinho no copo, para facilitar o trabalho dos que estão vindo. Como dizia uma
tia minha : “O tempo, meu filho, é socialista e igualitário : ele passa para
todos !”
Crato, 08/04/2022
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