Este texto foi escrito em 1998, no aniversário de 40 anos do Restaurante "O Nenen". Chegou-me , hoje, a notícia de que foi uma das vítimas da Covid-19. Reproduzo aqui a croniqueta, como um réquiem a um dos templos sagrados da boêmia cratense.
Um Nenen de 40 Anos
Assim como o banheiro da nossa casa, o bar é um lugar sagrado. .É no botequim que o homem se despe das suas vestes morais, onde joga por terra as eternas máscaras que usa continuamente ,nesse baile sem graça que é a vida quotidiana. O fascínio do bar vem, justamente ,dessa capacidade de mostrar o rei nu, de lá se encontrar o ser verdadeiro, desmascarado, com todas suas fraquezas, frustrações à mostra, após alcançarem o alvará de soltura dado pelo álcool.
Ali se encontram , frequentemente, Mr. Jekyll e Mr. Hyde, às vezes em cordial palestra.O bar é uma extensão do divã do psicanalista, um dos únicos locais da face da terra onde ainda é possível arrancar alguma verdade das profundezas abissais da alma humana. Por isso os poetas amam os botequins. Basta lembrar o gênio de Carlos Pena Filho ao descrever, com toda sensibilidade desse mundo, um dos mais tradicionais bares de Recife, “O Savoy”:
“São trinta copos de Chope,
“São trinta homens sentados,
“Trezentos desejos presos,
“Trinta mil sonhos frustrados.”
Comemoramos nesses dias os quarenta anos do Bar-Restaurante “O Nenen” . Quase meio século de portas literalmente abertas à boêmia de Crato. Digo literalmente abertas, porque esse recanto, por incrível que pareça, de há muito se mantinha escancarado: 24 horas por dia , 365 dias por ano e, ultimamente, sentindo o incômodo supérfluo , aboliu totalmente as portas: Para que usar trancas se nunca fecha?
Há quarenta anos “O Nenen” é uma espécie de Pronto-Socorro ou UTI da boêmia cratense: o lugar onde se bebe a derradeira cerveja da noite ou a primeira do Dia ou onde se busca cura para a ressaca, para o famoso ” gosto de cabo-de-guarda-chuva”.
A História oficial é a história do baile, do homem com todas suas vis e mimetizantes máscaras, do guerreiro glorioso, forte, vencedor das adversidades, virtuoso e sem máculas. A história de um povo, porém, para ser verdadeira, deve mostrar o homem despido da sua pompa, o homem na alcova e no banheiro, com todas suas fraquezas, ambições e defeitos. “O NENEN” é um compêndio completo da recente história do Crato: uma mescla de aspirações grandiosas, amores perdidos e sonhos desfeitos, na eterna busca do homem pelo impalpável e inatingível da vida que, como dizia um dos nossos mais célebres boêmios, é um pau-de-sebo com uma cédula falsa em seu topo.
CRATO, 16/01/98
Nenhum comentário:
Postar um comentário