As magias,
nesta vida, em geral são voláteis como o vidro de éter que se abre sobre a
mesa. Duram um piscar de olhos, um estalar de dedos. Mas existem lá suas
exceções, como em toda regra que se preze. No Cariri, o primeiro veículo de
comunicação, apareceu nos meados do Século XIX, o hebdomadário “O Araripe” de
João Brígido. Até então a vilazinha de Frei Carlos utilizava a doce língua do
povo para a disseminação das novidades e fofocas locais, claro que sem
abrangência proporcionada pelo jornal . Mesmo assim, essa abrangência
limitava-se aos poucos letrados da época e a uma pequena elite ainda
profundamente feudal e incipientemente mercantil. O Rádio, que chegou ao Brasil
junto como centenário da nossa independência, em 1922, instalou aqui, no ano
seguinte a nossa primeira emissora: A Radio Sociedade do Rio de Janeiro. Esse
seria o primeiro instrumento de comunicação verdadeiramente popular, de massa,
atingindo, pela oralidade, gregos e suburbanos. No Ceará, devemos a dois
libaneses, com ligações profundas com o Crato ( aqui haviam chegado no final
dos Oitocentos) e imigraram para Fortaleza em 1928. Lá fundaram a primeira Rádio Cearense, a
famosa Ceará Rádio Clube, a PRE-9. Chamavam-se os irmãos João e José Dummar, introdutores
também do futebol no sul do Ceará. Meio libaneses, meio cratenses, ainda existe
muito da sua parentela entre nós.
No Cariri, o
Rádio aportou em agosto de 1951, com a Rádio Araripe, ligada aos Diários
Associados. Três meses depois fundou-se, no Juazeiro, a Rádio Iracema. O Rádio,
além de informativo e formador de opinião, tornou-se um grande impulsionador da
arte musical brasileira.
Em 1959, sob
iniciativa da Diocese de Crato, Dom Vicente de Araújo Matos inaugurou a Rádio Educadora do Cariri, agora
completando seus sessenta e um anos no ar e seu primeiro aniversário no formato
FM.
Hoje,
observando a proliferação midiática mundo afora, muitos vêm o Rádio como algo
retrô, um fóssil da comunicação, mantido como uma peça de museu. Pensou-se, por
um tempo, que o Rádio seria engolido pela televisão, pela internet, pelo
PC, pelo smartphone. Ao contrário do que
se imaginou, o Rádio continua mais vivo do que nunca. Assim como o livro de
papel não foi destruído pelo eletrônico, o CD não triturou o vinil, o jornal
não se viu substituído pela televisão. Como essa magia do Rádio continua a nos
enfeitiçar ainda quase cem anos depois ? O Rádio fala diretamente ao nosso
ouvido, como um amigo que chegou a casa ou um parente que mora conosco. Sem o
artifício da imagem associada, puxa a nossa imaginação para que construamos,
nós mesmos, cenários e personagens. O Rádio, também, sem a ditadura extrema de
tempo, é mais afeito ao desprendimento e à reflexão. A TV e a Internet são os
primos ricos na nossa casa, meio escafolobéticos e cheios de riquififes. O
Rádio é o tio boêmio e bonachão que chega ressacado, manhãzinha, trazendo as
fofocas e novidades da noite e da rua.
Hoje é um dia
de festa no Cariri. Aos 61 Anos a nossa Educadora está viva e lépida, fez até
uma cirurgia plástica recentemente, uma lipo e liftings e está toda
recauchutada e efe-emizada. Toda a trupe de administradores, locutores,
produtores e técnicos abrem o champanhe e cortam o bolo. Percebe-se que até
alguns convivas distantes estão presentes na festa: Elói, Heron, Zé Cirilo,
Roberto Piancó, J. David, Mons Rocha, Berredo e tantos, tantos outros viajantes que aos poucos vão se achegando. A
Educadora é uma prova viva de que o encanto e a magia podem ser perenes e
duradouros e que uma voz emitida na boca do microfone pode fazer-se eco e
imantar o coração de milhares de ressentidos e desesperados. A voz nos alegra ,
nos ensina e nos diverte. A Voz é um apelo à comunhão universal, ela pode ser um bálsamo.
Crato, 14/02/20
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