“O talento
do historiador consiste em compor um conjunto verdadeiro com
elementos que são verdadeiros apenas pela metade.”
Joseph Ernest Renan
Joseph Ernest Renan
Há exatos cem anos, nascia na aristocrática
Aracati, um dos mais importantes filhos do Crato. A frase pode parecer
paradoxal, mas nosso local de nascimento não o podemos escolher, no entanto o
cenário e o script da nossa vida é da nossa inteira responsabilidade e escolha.
Pois foram os ventos do destino que aqui trouxeram o Prof. Alderico de Paula
Dasmasceno, amparado pelo pai que veio trabalhar na RVC. No Crato se fez
professor, dedicando os noventa profícuos anos da sua vida ao magistério e à
formação de almas e mentes. Alderico era de uma personalidade forte e marcante.
Hiperativo, inteligente, visionário ensinava uma História Crítica em plenos
anos 50 e 60, como fiel discípulo do Padre Antonio Gomes, numa época em que o
ensino de História Geral e do Brasil não se distanciava muito das histórias da Dona Carochinha e de
Trancoso. Alderico esmiuçava as raízes econômicas e sociais dos conflitos e das
datas e tinha uma verdadeira ojeriza ao “Decoreba”. Incentivava seus alunos a
pensar e refletir, sabia ser essa a função básica do professor, fugindo da
simples cópia de verdades prefeitas e preconcebidas. Caçava os decoradores sem
perdão. Ensinou nas principais escolas públicas e particulares do Crato, na
Faculdade de Filosofia e depois na URCA.
Figura de múltiplas habilidades, o professor
Alderico foi ainda um grande adepto da atividade física, dedicando-se, no
magistério, também a essa área. Tinha uma grande capacidade física e ,
frequentemente, desafiava os adolescentes em exercícios, vencendo-os , em
geral, com grande facilidade. Possuía uma força descomunal. Foi ainda treinador de times de futebol,
inclusive da seleção do Crato. Um dos primeiros técnicos a usar terno e gravata
e o guarda-chuva que utilizava, em campo, para indicar aos jogadores os momentos de
atacar ou defender. Numa época em que o Brasil se destacava pelo Futebol Arte,
Alderico foi um dos primeiros técnicos no Ceará a explicitar, abertamente, a
importância do condicionamento no rendimento das equipes. Demonstrou,
exemplarmente, a importância do combate ao sedentarismo na sua própria longevidade.
Ligou-se ao histórico PTB , nos embates políticos
cratenses dos anos cinquenta e sessenta do século passado. Seus parcos recursos
como professor eram dirigidos prioritariamente à compra de livros. Um dia a
esposa, em protesto, colocou , no almoço, um livro em cada prato, já que era aquela a
única feira que ele vinha fazendo.
Alderico foi o mestre de muitas e muitas gerações
de cratenses. Em geral, de início, seus alunos o detestavam: pela cobrança
incessante, pelo discurso aparentemente
muito disperso, pelas atitudes tantas e tantas vezes tidas como intempestivas. Era
um homem de arroubos e de paixões. O tempo, no entanto, terminava por
demonstrar a importância dele na formação de todos e o ódio plasmava-se rápido em adoração.
Os jogadores veteranos lembram-se da sua ansiedade
como técnico e da cobrança nos exercícios. Nas paradas de 7 de setembro,
Alderico organizava os pelotões, exigindo disciplina e cobrando cadência e
ritmo das bandas de música.
Ele inspirou muitas gerações de professores de História no Cariri. Depois
dele, o decoreba ficou proibitivo. A História teve que fugir definitivamente
das prateleiras dos Contos de Fada.
Um dia, a
inexorabilidade dos anos ceifou o caule da árvore frondosa. Ali estava impávida
há noventa anos à beira da estrada. Seus frutos continuam dispersos pelo chão,
muitos fizeram-se sementes e multiplicaram o milagre da primavera. Suas flores,
estranhamente, continuam imarcescíveis, como se o tempo não tivesse passado,
oferecendo-se em cores e perfume aos que passam pela estrada.
Crato, 20/09/2019
7 comentários:
ZÉ FLÁVIO, TEADUZISTE PERFEITAMENTE O HOMEM MESTRE ALDERICO! TIVE O PRIVILÉGIO EM SER SUA ALUNA E COLEGA NO COL. EST. WILSON GONÇALVES E FACULDADE DE FILOSOFIA. GRANDE ABRAÇO MEU DOUTOR AMADO!
Natércia. Assim como Zé Fávio, fui aluna do professor Alderico. Ele me chamava de Tortinha por causa do meu sobrenome, irmã de Zé Terto. Guardo lembranças maravilhosas do seu modo de ministrar suas aulas e nos tirar da inércia. Quando não chegávamos ao raciocio que ele deseja, esmurava o quadro ou esfarelava o giz , como que quisesse que o conteúdo penetrasse em nossa mente. Me apaixonei por História crítica. Isso devo a ele. Obrigada grande mestre.
Natércia. Assim como Zé Fávio, fui aluna do professor Alderico. Ele me chamava de Tortinha por causa do meu sobrenome. Guardo lembranças maravilhosas do seu modo de ministrar suas aulas e nos tirar da inércia. Quando não chegávamos ao raciocio que ele deseja, esmurava o quadro ou esfarelava o giz , como que quisesse que o conteúdo penetrasse em nossa mente. Me apaixonei por História crítica. Isso devo a ele. Obrigada grande mestre.
Bela crônica, antigo colega e amigo de sempre, José Flávio Vieira. Conteúdo rico de informações e reflexões, através de um estilo fluido, correto e gostoso de ler. A vida do nosso mestre recordada, sentida e tecida poeticamente. Assim como você, eu também tive Alderico como professor, que a mim também marcou para sempre.
Abraços aos amigos Natércia e Rogério, companheiros de longa data e viajantes próximos nesta mesma nau chamada vida ! Grande Alderico !
Que linda e merecida homenagem ! Não fui aluna dele lamentável mente não tive o privilégio. Era muito criança mas, curiosa, sabia do seu jeito exênctrico de dar aulas pois, muitos comentavam e Eu achava o máximo. Como minha casa ficava próxima a que ele morava, tive o privilégio de vê-lo discutindo política com algumas pessoas, falava alto, imperativo, me lembrava o jeito de Brizola. Me disseram que na sua pasta tinha de tudo um pouco, inclusive vela pois, que uma vez, concluiu sua aula a luz de vela . Isso é realmente representativo, não só clareava o ambiente mas também, como está escrito no brasão da universidade, levou luz para a vida de muitos . Sem dúvidas é um privilégio para o Cratense, poder homenagear seu filho de coração, um homem que marcou com sua inteligência e jeito exênctrico, a educação e formação de muitos Caririenses.Bravoooo !!
Abraço, Paula ! Ele era uma figuraça !
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