sexta-feira, 15 de março de 2019

Milícias


               
Em meio ao cataclismo, montado no olho do furacão, sempre é difícil perceber claramente o que acontece à nossa volta. Nestes dias , dois adolescentes tomaram de assalto uma escola em Suzano, São Paulo e assassinaram friamente sete pessoas e depois, um deles fuzilou o companheiro de proeza e, em seguida,  se suicidou. Tudo fez parte de um pacto sinistro projetado por pelo menos um ano e meio.  A tragédia não é inédita no Brasil e, nos Estados Unidos, só em 2018, aconteceram dezoito massacres similares . É importante que reflitamos, um pouco, neste final de semana, como se , contritamente, tomássemos para nós alguns minutos de silêncio, sobre o ato triste em si e seus arredores.
                                   Não menos aterrorizante do que a tragédia em si, foram os esquetes que aconteceram fora do palco principal. Um filho do presidente foi ao oráculo da família -- a Rede Social -- e postou que o acontecido demonstrava a necessidade inequívoca de armar a população. Um senador, Major Olímpio, sacou, de pronto, a solução definitiva para o problema : colocar armas nas mãos de todos os professores. Comunidades na internet passaram a elogiar os assassinos como verdadeiros heróis. O governo brasileiro, de plantão na nossa frenocracia , apenas seis horas depois do massacre, deu-se ao trabalho de colocar algumas palavras de conforto, no Twitter, para as famílias abaladas pela catástrofe.
                                   Como sempre, somos afeitos às soluções simplistas que não mergulham nas profundezas abissais dos enigmas. Com a casa desmoronando optamos por envernizá-la, pensando em deixá-la com um melhor aspecto, mais esburnida. A disseminação das armas se não é o estopim disso tudo, com certeza  incrementará as ações dos loucos de plantão. Não se apaga incêndio, ao que se sabe, lançando jatos de gasolina nas chamas.  Colocar armas nas mãos de professores é , simplesmente, desviar as funções para as quais eles foram formados e tirar do estado a obrigação de dar segurança aos cidadãos , terceirizando essa atividade. O atraso governamental em trazer palavras de amparo às famílias enlutadas deve-se justamente à essa certeza: a explosão da violência urbana se intensificará com o plano de governo de armar a população. É como se, de repente, tivessem sido pegos em fragrante delito.
                                   Interessa-nos,  sempre, para combater nossas agruras mais prementes, saber, claramente, quem manipula os cordéis dos marionetes. Foram presos os executores de Marielle Franco, um dos pistoleiros, vizinho de condomínio do presidente, recebeu 100.000,00 pelo serviço. Quem encomendou a execução ?  Vimos alguns sacripantas chupando laranjas escondidinho.  Quem é o dono do laranjal do Queiroz ?  Vídeos mostraram malas e malas de dinheiro do Geddel, do Paulo Preto, do Loures. Eles são muito mais pornográficos do que o Golden Shower veiculado , com estardalhaço, pela presidência.  As taxas insuportáveis de feminicídios no Brasil  são atribuídas ao machismo reinante, quais as estratégias para aplacar os crimes passionais, como minorar o sentimento de posse ?
                                   O que tem feito com que  se multipliquem as chacinas civis no Brasil ? Claro que não existem respostas únicas para perguntas  complexas. Talvez um somatório de fatores: o estabelecimento de uma sociedade extremamente competitiva, com muitos perdedores e poucos vencedores; a baixa espiritualidade da população que nada tem a ver com religiosidade; a desestruturação da célula familiar; o culto doentio aos serial killers tão presentes e disseminados pela mídia global: os super-heróis e os super-vilões; a banalização da violência nos videogames; o distanciamento físico  das pessoas pela tecnologia;  o recrudescimento do nazi-fascismo mundialmente; o estabelecimento governamental de uma política do ódio e de extermínio dos diferentes.
                                   Queremos minorar o feminicídio ? Pretendemos acabar com as chacinas de civis ? Precisamos nos debruçar sobre todas estas questões. Quebrar paradigmas culturais centenários , sedimentados na escravidão, nas distorções sociais, na exploração do homem pelo homem. Caminhos serão longos e, certamente, difíceis de trilhar. Mas poderíamos começar no combate à política do ódio; substituindo, como arma, o revólver pelo livro; trabalhando o exercício mínimo da justiça social; entender que somos companheiros de viagem e não soldados de facções contrárias e antagônicas. Desarmemos os homens e os espíritos, aderindo todos a uma mesma Milícia : a da paz.  

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