Naquele dia,
sua sensibilidade de menino leu alguma coisa diferente nos olhos da mãe. Havia
uma tristeza contida mas mal disfarçada que lhe vazava nos gestos, na
respiração mais ofegante, no sorriso meio forçado e a meio pau. Arrumado, com a
fardinha engomada a postos, tomou o mingau ainda na mamadeira, artefato que
ainda não abandonara, ao menos em casa. Na escola , diante dos colegas,
mostrava-se um rapazinho totalmente crescido e independente. Com a mãe
chamando-o, apressada, temendo perder o horário do escritório, tomou da
lancheira, pegou a alça da mochila do homem aranha e partiu para a garagem em busca da motorista
que gritava :
---
Vamos, Ariel , Vamos ! Já estou atrasada !
Estacou, de
repente e retornou. Abriu a porta do quarto vizinho ao seu, o quarto da Vó
Dina. Como fazia, toda manhã, queria,
antes de partir, pedir-lhe a bênção.
Diante dele a cadeira de balanço da Vó, estranhamente vazia. Ali ela
passava a maior parte do dia. Pai e mãe , no trabalho, assoberbados e engolidos
pelo cotidiano, a Vó tornara-se a figura
mais presente na vida de Ariel. Enquanto fazia crochê, diligentemente na sua cadeira, acompanhava o neto que se esbaldava no
quarto, depois da volta da escola, e só
parava quando Dina passava a lhe contar as mais fabulosas estórias de Trancoso:
o “Cumpade Foiará” , “O Gato de Botas”, “As travessuras de Senhor Reis”. Ariel
observou desapontado a cadeira vazia. Lembrou que a mãe tinha contado que Vovó
tinha adoecido e estava no hospital tomando remédio, imaginou que já devia ter
voltado. A mãe, apressada, dando pela demora do filho, veio da garagem ao seu
encontro. Deu com o menino, triste, olhos fitos na cadeira de balanço que já
não mais balançava.
--- Mãe, cadê
Vovó ? Ela ainda tá no hospital ?
Estática,
como uma presa diante do predador, ela se conteve procurando palavras para
explicar que a Vó, agora, tinha virado uma estrelinha e que quando ele visse
uma delas riscando o céu, ela era que estava puxando seu fio de crochê. Ariel,
sempre tão pronto e atilado, pareceu
confuso , como se alguém tivesse lhe roubado a bolinha de meia. E agora, com
quem ficaria brincando à tarde ? Quem lhe contaria as histórias que Vó Dinda
contava ?
Antes
de sair, foi até à janela , olhou para o azul do céu, como se procurasse um
ponto fixo no horizonte. Estendeu a mão para o infinito como se agarrasse a
ponta do fio invisível do crochê cujo novelo estava longe, bem longe
, levado por um Gato sem Botas, por um Rei sem Reino, por um Compadre agora
desfolhado:
--- À benção,
Vó !
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